sábado, 16 de outubro de 2010

" Atualizar a pedagogia face ao mundo mudado"- Leonardo Boff

Séculos de guerras, de confrontos, de lutas entre povos e de conflitos de classe nos estão deixando uma amarga lição. Este método primário e reducionista não nos fez mais humanos, nem nos aproximou mais uns dos outros e muito menos nos trouxe a tão ansiada paz. Vivemos em permanente estado de sítio e cheios de medo. Alcançamos um patamar histórico que, nas palavras da Carta da Terra, “nos conclama a um novo começo”. Isto requer uma pedagogia, fundada numa nova consciência e numa visão includente dos problemas econômicos, sociais, culturais e espirituais que nos desafiam.




Esta nova consciência, fruto da mundialização, das ciências da Terra e da vida e também da ecologia nos está mostrando um caminho a seguir: entender que todas as coisas são interdependentes e que mesmo as oposições não estão fora de um Todo dinâmico e aberto. Por isso, não cabe separar mas compor, incluir ao invés de excluir, reconhecer, sim, as diferenças mas também buscar as convergências e no lugar do ganha-perde, buscar o ganha-ganha.



Tal perspectiva holística vem infuenciando os processos educativos. Temos um mestre inolvidável, Paulo Freire, que nos ensinou a dialética da inclusão e a colocar o “e” onde antes púnhamos o “ou”. Devemos aprender a dizer “sim” a tudo aquilo que nos faz crescer no pequeno e no grande.



Frei Clodovis Boff acumulou muita experiência trabalhando com os pobres no Acre e no Rio de Janeiro. Na esteira de Paulo Freire, entregou-nos um livrinho que se tornou um clássico: “Como trabalhar com o povo”. E agora face aos desafios da nova situação do mundo, elaborou um pequeno decálogo daquilo que poderia ser uma pedagogia renovada. Vale a pena transcrevê-lo e considerá-lo pois nos pode ajudar e muito.



1.”Sim ao processo de conscientização, ao despertar da consciência crítica e ao uso da razão analítica (cabeça). Mas sim também à razão sensível (coração) onde se enraizam os valores e de onde se alimentam o imaginário e todas as utopias.



2. Sim ao “sujeito coletivo” ou social, ao “nós” criador de história (“ninguém liberta ninguém, nos libertamos juntos”). Mas também sim à subjetividade de cada um, ao “eu biográfico”, ao “sujeito individual” com suas referências e sonhos.



3. Sim à “praxis política”, transformadora das estruturas e geradora de novas relações sociais, de um novo “sistema”. Mas sim também à “prática cultural” (simbólica, artística e religiosa), “transfiguradora” do mundo e criadora de novos sentidos ou, simplesmente, de um novo “mundo vital”.



4. Sim à ação “macro” ou societária (em particular à “ação revolucionária”), aquela que age sobre as estruturas. Mas sim também à ação “micro”, local e comunitária (“revolução molecular”) como base e ponto de partida do processo estrutural.



5. Sim à articulação das forças sociais sob a forma de “estruturas unificadoras” e centralizadas. Mas sim também à articulação em “rede”, na qual por uma ação decentralizada, cada nó se torna centro de criação, de iniciativas e de intervenções.



6. Sim à “crítica” dos mecanismos de opressão, à denúncia das injustiças e ao “trabalho do negativo”. Mas sim também às propostas “alternativas”, às ações positivas que instauram o “novo” e anunciam um futuro diferente.



7. Sim ao “projeto histórico”, ao “programa político” concreto que aponta para uma “nova sociedade”. Mas sim também às “utopias”, aos sonhos da “fantasia criadora”, à busca de uma vida diferente, em fim, de “um mundo novo”.



8. Sim à “luta”, ao trabalho, ao esforço para progredir, sim à seriedade do engajamento. Mas sim também à “gratuidade” assim como se manifesta no jogo, no tempo livre, ou simplesmente, na alegria de viver.



9. Sim ao ideal de ser “cidadão”, de ser “militante” e “lutador”, sim a quem se entrega, cheio de entusiasmo e coragem, à causa da humanização do mundo. Mas também sim à figura do “animador”, do “companheiro”, do “amigo”, em palavras pobres, sim a quem é rico de humanidade, de liberdade e de amor.



10. Sim a uma concepção “analítica” e científica da sociedade e de suas estruturas econômicas e políticas. Mas sim também à visão “sistêmica” e “holística”da realidade, vista como totalidade viva, integrada dialeticamente em suas várias dimensões: pessoal, de gênero, social, ecológica, planetária, cósmica e transcendente.”



fonte: Envolverde

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aos mestres- Natalícia

















Aos Mestres com carinho, Natalícia.

Quadrinho

" A sombra enorme" - Rubem Alves

Professor José Pacheco- Escola da Ponte                                                      Rubem Alves



Fernando Pessoa- quem diria? – foi ideólogo da Coca-cola... Quem me revelou isso foi o professor Ademar Ferreira dos Santos, educador português, da Escola da Ponte, em Portugal. (Se vocês desejarem em saber um pouco sobre esta escola extraordinária leiam o livrinho A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Pois ele me contou que nos idos dos anos 20 Fernando Pessoa, precisando ganhar dinheiro para sobreviver passou a trabalhar para uma empresa de propaganda. Coca-cola estava chegando, desconhecida, de gosto estranho, precisava de uma cunha poética que lhe abrisse o cantinho. Foi então que Fernando Pessoa produziu esse curtíssimo slogan: “ A princípio estranha-se. Depois, entranha-se”. Absolutamente genial! Aconteceu comigo.Caipira de Minas mudado para o Rio, acostumado a tomar refresco de pitanga, achei a Coca-cola uma coisa horrível, com gosto de verniz misturado com sabão. Aí, aos poucos, na roda dos colegas cariocas que tomavam Coca-cola com prazer, a metamorfose foi acontecendo. O estranhamento se transformou em entranhamento. E continua, a despeito da minha resistência ideológica. Como disse Barthes, “meu corpo não tem as mesmas idéias que eu”.


Disse tudo isso porque sei que irão estranhar a ideia que vou apresentar. Quando eu a digo pela primeira vez a reação imediata dos meus ouvintes é susto, seguido por riso... “ não é possível que o Rubem esteja falando sério. Essa é mais uma de suas brincadeiras... “ Não, não é brincadeira. Estou falando sério e peço que vocês, meus leitores, se ponham a repetir: “A princípio estranha-se. Depois entranha-se...” Peço que vocês tenham para com minha idéia estranha a mesma atitude que tiveram diante da estranha Coca-cola.

Tudo começou há muitos anos, na INICAMP, quando um grupo de amigos se reuniu para estudar a possibilidade de um vestibular inteligente. Porque esse que existe não é inteligente. Pelo contrário. Minha amiga Vilma Cloris de Carvalho, educadora extraordinária, professora de neuro-anatomia, me revelou que seus piores alunos eram aqueles que tinham obtido as notas mais altas no vestibular. “ Eu explico a complexidade do funcionamento do aparelho nervoso, mostro-lhes o caráter provisório das hipóteses de que dispomos, falo sobre uma, falo sobre outra... E aí, há sempre um desses gênios que tiraram as notas mais altas que se sai com a pergunta: “ Mas professora, qual é a resposta certa?... Ah! Essa simples pergunta contém um mundo de densinos... Nós queríamos um vestibular que fizesse bem à inteligência, que testasse a capacidade dos alunos de pensar, diante de situações novas, em oposição àquele que privilegiava a memória mecânica e as respostas certas. Um dia, num intervalo entre as discussões, o meu amigo professor Yaro Burian Jr., engenheiro do ITA, me disse com um sorriso: “ A melhor solução é o sorteio...” Estranhei. Refuguei. O yaro devia estar gozando. Sorteio, coisa injusta. Vai privilegiar os incompetentes. Ri. Aí ele não explicou nada e só me disse: “ Pense...” Pus-me a pensar e não parei até hoje. Ao estranhamento seguiu-se o entranhamento. Hoje eu repito: “ O sorteio é a solução mais inteligente e mais educativa”. Agora eu preciso explicar o caminho do meu pensamento.

“ Funções manifestas” e “ funções latentes” são conceitos criados pelo sociólogo Robert K. Merton. Esses conceitos ferramentas de pensamento que sempre me ajudam a pensar. Vou explicar o seu sentido ( que é mesmo que dizer “ vou explicar o seu uso”. O sentido de uma idéia é o uso que fazemos dela). Pergunta: “ Qual é a função a exigência de que, para ser aprovado, o aluno tenha que ter freqüentado 75% das aulas? Resposta da função manifesta: “ freqüência a 75% das aulas é condição para se manter a qualidade do ensino”. Resposta da função latente: “ A freqüência a 75% das aulas é condição para que os professores medíocres e incompetentes tenham sempre alunos em suas aulas que de outra forma estariam vazias, livrando-os assim da vergonha...” funções latentes correspondem aos “ efeitos colaterais” das bulas de remédios: função manifesta, curar, função latente, pode matar...

Qual é a função manifesta dos exames vestibulinhos? O nome está dizendo: vestíbulo. Vestíbulo é lugar de entrada. Exames vestibulares: exames para se conseguir entrar no lugar desejado. Mas a minha atenção não se interessa por essa função manifesta. Interessam-me suas funções latentes, seus efeitos colaterais de que poucos se dão conta. Assim, ao falar de exames vestibulares eu não olho para frente, para a universidade. Olho para trás e contemplo o que a sua sombra enorme cobrindo todos os processos escolares que os antecedem. Observo a progressiva instalação dos processos de tortura a que crianças e adolescentes têm de se submeter,que lhes tira toda a alegria da experiência de aprender. Agora já há até “vestibulinhos” para crianças... A deformação começa cedo.



Rubem Alves




Fernando Pessoa

terça-feira, 12 de outubro de 2010

" Gostar do Filho"- Artur da Távola



Gostar do filho é babar retratinhos depois de tê-los desdenhado nos outros. É voltar a parques e circos sem precisar de desculpas, e fingindo que reclama do “trabalhão” que eles dão.

Gostar do filho é reencontrar medos antigos que de tão puros ficaram sepultados na personalidade tolamente chamada adulta.

Gostar do filho é aprender a calar ( quantos pais o sabem?) naquilo que chegará o momento certo de dizer ( nem sempre é na mesma hora). Gostar do filho é sobretudo saber “ não saber”. Ou testar o que sabe com modéstia e humildade.

É incorporar o que não sabe sem inveja. É usar o que sabe com prudência. É reformular a cada dia. É confirmar a cada instante. É tanto conhecer o que muda, como o que não muda e saber distinguir os dois na hora certa.

Gostar do filho é sentir seu crescimento. Acompanhar, seios, barbas, hormônios, fala, baba, cheiros, pelos, palavras, letras, cadernos, calças, espasmos, choros, medos, surf, pelada, boneca, sexo, piriri, espanto, esbarro, radiografia, namorada, astronomia, mesada, mulher, homem, é acompanhar tudo isso sem sentir nada do que se sente quando se acompanha nas demais pessoas. Gostar do filho é ser capaz do mais altruísta dos egoísmos.

Gostar do filho é permitir-lhe o vôo, no máximo ensinando-o a distinguir ninho de arapuca. Gostar do filho é desaprender a dormir para poder dormir em paz. E aprender a renunciar e a agüentar. É redescobrir agasalhos, natais, escadas rolantes, selos, caixas de fósforo, botão, pranchas ou vestidinho.

Gostar do filho é a possibilidade de esperança.

É conviver, é roçar a pele, é ficar todo mole quando ganha um abraço espontâneo depois de ter rejeitado tantos lá fora. É ser cego e clarividente. Profeta e embotado. Sábio e burraldo. Gênio e borra-botas. Valente e covarde. Bobão e frio. Inseguro e protetor.

Gostar do filho é mudar a cada dia. Fundo. É contemplar os próprios limites com mais tolerância, porque alguém salvará a espécie. É virar lobo, tigre, jumento ou colibri, palhaço, mago ou Kung-Fu, gordo e magro ou Flash Gordon.

Mas gostar do filho é sobretudo saber esperar. Não ter a pressa de aceitações, entendimentos e devoluções à vista. É saber conquistar pelo menos uma lembrança compreensiva, não importa quando venha, no fim dos tempos ou depois de amanhã.

Saber esperar as quatro estações cuidando das podas, das regas, dos adubos, como quem cumpre um ritual, se possível cantando as canções, das colheitas, aquelas que trazem a mensagem e a esperança do fruto. Que trará, também Ele, carregado de sementes.



Artur da Távola – março de 1993

" Todas as Crianças"- Frei Beto


Todas as crianças querem a paz no mundo, mas nem todas são educadas livres da ótica da discriminação, do preconceito, em condições de encarar, como dotados de igual dignidade, brancos, negros, amarelos e indígenas.


Todas as crianças gostam de falar com Deus, mas nem todas aprendem que Deus ama, sem distinção, mulçumanos, judeus, cristãos, adeptos do candomblé, do Santo Daime e até mesmo quem não crê.

Todas as crianças necessitam brincar, mas nem todos os pais têm condições de evitar que enveredem pela senda do trabalho precoce, do ponto de esmola na esquina, da exploração sexual, das sendas do crime.

Todas as crianças adoram perder tempo com seus amigos e amigas, mas algumas tornam-se adultas antes do tempo, devido à agenda sobrecarregada imposta pela família, com aulas de balé e natação, de idiomas e de música, sem nunca terem se sujado no barro. Ou, empobrecidas, são obrigadas a lutar desde cedo pela sobrevivência.

Todas as crianças são dotadas de incomensurável fantasia, mas muitas não têm sonhos próprios, porque delegaram à TV o direito de imaginar por elas. Assim, crescem saturadas de (des) informações que não processam, vulneráveis em seu código de valores e confusas quanto aos princípios éticos a serem abraçados.

Todas as crianças são generosas, mas nem sempre há quem lhes ensine partilhar o que acumulam nos armários, na lancheira e no coração.

Todas as crianças precisam de muito amor, mas nem todas conhecem quem preste atenção no que falam e fazem, passeie com elas nos fins de semana, evite barganhar o carinho sonegado por presentes e promessas.

Todas as crianças gostam de doces, mas nem todas são educadas para apreciar frutas e verduras, evitando desde cedo preencher com a boca o que lhes falta no coração.

Todas as crianças adoram ouvir histórias, mas nem todas conhecem quem se disponha a contar-lhes o mundo da carochinha ou a ler para elas os textos sagrados.

Todas as crianças imitam adultos que admiram, mas nem todas aprendem a conhecer Jesus e Francisco de Assis, Gandhi e Che Guevara e crescem empolgados com o exterminador do passado, do presente e do futuro.

Todas as crianças são sedentas de alegria, mas como esperar que sorriam se os adultos discutem na frente delas ou expressam seu racismo, seu ódio e sua ganância por dinheiro e bens?

Todas as crianças ignoram a morte como ameaça real,e nenhuma delas se propõe a matar o semelhante, a fabricar ou comercializar armas, a bombardear populações civis. Se uma criança rouba, droga-se ou mata é porque o mundo dos adultos condenou-a a ser o reverso de si mesmo.

Todas as crianças adoram sonhar, mas se não encontram pelo caminho quem infle os seus sonhos, como um balão que voa rumo à utopia, corre o risco de buscar na química das drogas o que lhes falta em autoestima.

Todas as crianças são convencidas de que, entregue nas mãos delas, o mundo seria bem melhor, pois nenhuma delas suporta ver o semelhante com fome, na miséria ou vítima de guerras.

Todos nós deveríamos cultivar para sempre a criança que um dia fomos.



Frei Beto- escritor, A obra do Artista- Uma visão holística de universo.

" Desafios para um mundo sustentável"- Lidia Goldenstein



Depois de quase vinte anos de sucessivas crises, com baixas taxas de crescimento, elevada inflação e recorrentes problemas no balanço de pagamentos, o Brasil vive atualmente um cenário macroeconômico bastante positivo. Como resultado de mais de duas décadas de ajustes difíceis, e beneficiada pelo crescimento da economia mundial, finalmente a economia voltou a crescer.



A redução da vulnerabilidade externa – graças às elevadas exportações de commodities como da percepção generalizada de que o Brasil continuará a ser um dos países mais atrativos para os investimentos externos -, garantiu a acumulação de reservas e permitiu que o país passasse pela ultima crise internacional sem os traumas que sempre nos abateram nas crises anteriores.


Internamente, a inflação não só foi controlada, como permanece em um nível baixo, permitindo a redução da taxa de juros a qual, apesar de ainda elevada e uma das mais altas do mundo, já caiu significativamente, situando-se no menor nível desde os anos 80, mesmo após a recente elevação implementada pelo Banco Central.


O controle da inflação e a queda dos juros vêm permitindo uma elevação importante do crédito na economia a qual, somada à elevação da renda proveniente do programa Bolsa Família, da elevação do salário mínimo como tal e como benefício previdenciário e assistencial e, mais recentemente, do aumento do emprego, geraram um circulo virtuoso, de aumento de renda, emprego e consumo.


Tudo junto vêm finalmente permitindo não só a elevação das taxas de crescimento como também das taxas de investimento do país. Temos, assim, uma oportunidade única para pensarmos o futuro do país sem o peso das sucessivas crises, internas e externas, que nos abateram por longos anos. É o momento, quando os mais variados indicadores macroeconômicos mostram-se bons, ou no mínimo razoáveis, de fortalecer as bases para que a economia brasileira consolide a atual fase de crescimento e finalmente entre em uma trajetória de crescimento sustentável.


Entretanto, apesar do inequívoco bom momento pelo qual a economia brasileira vem passando, no qual crescer a taxas elevadas por um ou dois anos está se revelando muito possível, não se pode contar para sempre com um cenário tão positivo. Não só ciclos e crises sempre existiram e continuarão a existir, como podem ser de tal magnitude que comprometam a sustentabilidade do crescimento.


A capacidade de o país passar por novas eventuais crises sem desarranjos mais profundos na economia, e de manter uma trajetória de crescimento de longo prazo, depende do enfrentamento de certas questões que ainda estão sendo perigosamente postergadas, levando ao acúmulo de problemas que cedo ou tarde ameaçarão o desempenho da economia.


Alguns dos problemas já são muito conhecidos e discutidos pela imprensa e diferentes analistas econômicos, quando não já sentidos pelos empresários e pelo público em geral. O baixo nível de investimentos(*), em especial em infra-estrutura, é um deles, e vem afetando significativamente a competitividade da economia brasileira. O volume e perfil dos gastos públicos é outro, afetando a capacidade de gasto público, sua qualidade e seu custo de financiamento. Os impactos negativos da péssima estrutura educacional do país no mercado de trabalho e no custo das empresas são mais um dos problemas entre os que urgem serem enfrentados.


A consciência da necessidade de se enfrentar estas questões tem sido crescente. Para algumas delas já estão mapeados os investimentos e ações prioritários, tanto públicos como privados. Mas, infelizmente, existem ainda outras questões que estão longe de serem debatidas, quanto mais enfrentadas.


(*) Apesar da taxa de crescimento dos investimentos prevista para 2010 ser de 18,5% do PIB, mostrando um retorno dos investimentos se comparada com os 17,4% de 2009, ainda estamos longe dos 25% considerados necessários para sustentar uma taxa de crescimento de 5% ao ano do PIB sem pressão inflacionária


Fonte: Lidia Goldenstein

" Uma professora do barulho"

Foi na semana passada durante a conferência, ou convenção, do Partido Conservador, realizada em Birmingham. Aqui os sócios de carteirinha e mensalidades em dia, após uma ligeira triagem, têm o direito de se dirigir ao plenário e apresentar suas queixas, sugestões ou meras louvações. Tudo dentro da cartilha democrática que estas ilhas adotaram há mais de um século.



Eu disse cartilha. Sei o que digo.


Além dos discursos dos líderes do partido, pegou um bom espaço na imprensa o de uma professorinha. O diminutivo soa a condescendência. Injustiça. Coisas de um tempo que passou, num país bem passado e com um ovo a cavalo em cima.


Refiro-me, pois, e me penitencio, às palavras que a professora Katharine Birbalsingh, de 37 anos, dirigiu a seus colegas partidários. Katharine é a nova vice-diretora de um colégio aqui de Londres que vem vindo aos trancos e barrancos, ou caindo pelas tabelas, para usar de termos idiomáticos familiares aos nossos ouvidos e sensibilidade de botequim.


O St Michael and All Angels, situado no bairro de Southwark, em Camberwell, sul de Londres, barra pesadíssima.


Bairro multiétnico ou globalizado, conforme queiram, onde os alunos, igualmente multiétnicos e globalizados, botam, quase que literalmente, para quebrar. Todos os dias. A posição, quase exaltada, da professora (aliás, ela também multiétnica, como não se pode deixar de notar pelo nome), durou pouco.


Discurso apaixonado e ovacionado na quarta-feira, ordens expressas da diretoria do estabelecimento de ensino em questão para ficar em casa na quinta e na sexta-feira. O que disse a professora Katharine Birbalsingh diante de seus colegas convencionais e que tanto ofendeu seus pares?


A professora apontou para todos os presentes o fato de que os pais dos alunos do educandário onde lecionava, e quase-quase ia dirigir, não tinham a menor ideia de que, na maior parte dos colégios (não especificou se de Londres ou de toda o Reino Unido), o "clima era de caos total".


Criticou principalmente o que ela chamou de "falta de disciplina entre alunos negros" (angloafricano ainda não chegou aqui). Foi mais longe, se tal é possível, e disse que o sistema estava em pleno estado de "ruptura" e que não fazia mais do que manter "pobres as crianças pobres."


Foi uma balbúrdia. Onde já se viu? A professora, antes da ovação, já fizera referência, ao fato de que as escolas e colégios temem perder pupilos se admitirem os problemas existentes no sistema. A St Michael onde leciona (sim, ela foi prontamente reintegrada após a notícia ser dada com destaque pela imprensa) foi chamada por ela de "Alcatraz do mundo da educação." Alcatraz: aquela notória prisão nos Estados Unidos.


Katharine mantinha um blog até sexta feira. To Miss With Love (uma referência a um filme muito conhecido dos anos 70, com o Sydney Poitier, todo passado na Inglaterra). Saiu do ar até segunda ordem devida à reação obtida por suas palavras incandescentes.


Lá estava, e tudo indica que voltará ao ar, a frase terrível, onde ela contava como o colégio pagava por guardas de segurança para revistar as crianças (sim, crianças) antes do início do dia letivo. Acrescentava que, nos últimos seis meses, três crianças foram esfaqueadas no colégio.


No dia em que uma colega fazia a aplicação para o posto que acabou (quase que literalmente) com ela, o de vice-diretora, um bando de alunos a derrubou ao chão num dos corredores do St Michael.


Na sexta-feira, procurada pela imprensa, que voou em cima, Katharine Birbalsingh se confessou diante do dilema de falar ou calar sobre o sistema e fazer o que era o mais correto no caso de "seu" colégio. E foi explícita: o colégio, por ele, moitava. Calava a boca. Não dava um pio.


A professora não moitou e não calou. Deu um baita pio. No que fez muitíssimo bem.



Fonte: IVAN LESSA
COLUNISTA DA BBC BRASIL, EM LONDRES