segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Família Moderna



Partindo do ponto de vista da Psicanálise de Família e de suas abordagens clínico teóricas, especialistas abordam a complexidade no seio familiar contemporâneo.

A nova estrutura familiar e a noção de casal servem de enlaces para o debate sobre a existência da família, agora livre das amarras da heterossexualidade e das exigências socioeconômicas que lhe serviu de alicerce por tantos séculos.

Sabemos das inúmeras alterações ocorridas no conceito e na estruturação da família, ocorridas no último século. Entramos no século XXI tendo de encontrar novas formas de lidar com os problemas gerados no seio dessas novas famílias e é esse o enfoque central que buscamos dar a esse material.

Em primeiro lugar, cabe lembrar que a partir das enormes mudanças oriundas do capitalismo avançado, entre elas o consumismo e comunicação de massa; questionamento da autoridade paterna e do Estado; individualismo e narcisismo; Psicologismo; avanço técnico-científico com as fertilizações in vitro, barrigas de aluguel, células-tronco, globalização; entre outros fatores, o sujeito se viu envolvido em fortes transformações que atingem sua forma de estar no mundo.
Novas patologias como as bulimias, anorexias, obesidade, compulsões, drogadição, suicídios e a violência mostram que o sujeito contemporâneo está muito mais para o "borderline" do que o neurótico descrito por Freud.
Isso não só denota uma alteração na estruturação do sujeito, como também nos faz mirar de forma diferente a família pós-moderna, com suas idiossincrasias e transformações. Assim, não é só o capitalismo avançado que demanda esse sujeito "borderline"; é a família atual que tende a construí-lo!

Senão vejamos: vivemos numa era em que o tempo é escasso, os níveis de afetividade no seio da família sofrem diversos constrangimentos (divórcios, famílias ampliadas, redução do número de filhos), a tríplice jornada da mulher e do homem reduz enormemente sua disponibilidade para cuidar da prole, redundando em uma família em que as relações de parentesco se tornaram bastante complexas.

Aos, psicanalistas, só resta entender toda essa transfiguração e buscar dar aos que sofrem apoio para se adaptar a essa nova ordem. Tentamos oferecer um acolhimento que permita a construção de uma mente capaz de abrigar minimamente a torrente de emoções, pensamentos e fantasias próprias do ser humano.

Nesse sentido, buscamos, mostrar o que vem surgindo em nossos consultórios, nas escolas, e no dia a dia de cada criança. Pensamos que a partir desse diálogo com outros ramos do saber é que poderemos encontrar novas formulações teóricas, novas propostas terapêuticas, e assim ajudar o homem pós-moderno em suas crises no viver.

Podemos definir a noção de casal de acordo com a separação de sexos, que ainda hoje é encontrada nos dicionários e na maioria das representações que fazemos de um casal.
Em seguida, refletimos pela noção de família, tendo como polo original as diferentes nuances com que se pode olhar para o casal familiar: marido e mulher; pai e mãe; avô e avó.

Nesse modelo familiar dito tradicional, a presença obrigatória de um genitor do sexo masculino e um do sexo feminino, na formação de uma família, permitiu a criação de um modelo de identificação sexual triangular, que Freud traduziu ao mundo tão bem, pelo mito de Édipo. Por meio dele, meninos e meninas são levados a se identificar com o genitor do sexo oposto, por força do complexo de Édipo, cuja resolução deságua na identidade masculina e feminina.

A transição gradual, mas segura, da importância da heterossexualidade como meio de subjetivação e introjeção do masculino/feminino, agora em fase de substituição pela noção de gênero, tem mudado radicalmente a qualidade da vincularidade familiar e, com isso, os processos de subjetivação mediadores do humano no homem. Assim, questiona-se como a ideia de família pode sobreviver sem Édipo e sem "inveja do pênis"?

Na atualidade, não é mais possível contar apenas com o modelo familiar nuclear como ambiente de formação da subjetivação humana, porque as mudanças sociais que marcaram nossa época levaram a um apagamento dos símbolos que marcavam os espaços familiares tradicionais, esmaecidos pela ausência da mulher na casa; pela terceirização da educação inicial da criança, agora partilhada com a pré-escola pelas mães que trabalham fora; pelas mudanças no mercado de trabalho, que vêm abalando a imagem do pai provedor do sustento/ mãe provedora de afeto, que a dupla de genitores tradicionais mantinha.

Esse novo conceito muda também a relação do indivíduo com o mundo. Mães e pais sentem-se cada vez mais pressionados pela pós-modernidade e refletem esse anseio para a vida em grupo, no seio familiar. É cada vez mais comum filhos acumularem atividades extraescolares (cursos de inglês, futebol, balé, escoteiro) enquanto os pais acumulam horas de trabalho. A falta de contato, de diálogo, de interação é preocupante. O jantar com a família é constantemente adiado e a falta de tempo (ícone dos tempos modernos) deixa a mesa cada vez mais vazia.

É nesse contexto que se observa, de forma nítida, o fenômeno que denomino "terceirização da família". Trata-se de um deslocamento do conceito econômico contempo-râneo "terceirização de serviços e de produção", adotado por empresas que buscavam racionalizar custos e aumentar sua eficiência. Para poder se dedicar às atividades momentaneamente mais impor-tantes, essas empresas delegam para outras determinadas operações de sua produção ou do serviço que prestam.

De maneira similar, a família atual, para se manter no compasso das exigências sociais e econômicas de nossa sociedade, parece terceirizar algumas de suas funções, dentre elas a da educação dos filhos...Seja como for, observa-se hoje que a revisão do modelo tradicional de família tem provocado mudanças nas funções familiares, das quais, uma das principais parece ser representada pelo fato da interdição e limites não serem mais consideradas funções ligadas ao sexo paterno.

Assim, podemos pensar o casal e seus dependentes como um grupo de indivíduos interligados por um mundo de relações simbólicas que, no tempo e no espaço, constroem uma história sobre si própria, seus próprios mitos no qual eu, você, as crianças, são ideias com valores e forças diferentes, na linha do tempo e nos diferentes arranjos familiares: carregam a força do sangue no arranjo heterossexual e tão somente a força do afeto nos casais homoparentais.

Podemos pensá-la também com a ajuda de Eiguer que a vê como um grupo de indivíduos entrelaçados por vínculos, no qual as relações de objetos e as transferências são ordenadas por organizadores familiares, de forma que as diferenças da estrutura individual se apagam diante da importância atribuída à teia de relações, continuamente estabelecidas e reconstituídas pelo grupo familiar.

Nessa nova construção simbólica da família, a noção de sexo vem perdendo espaço para os domínios do gênero, criando as condições psicossociais para a aceitação e o reconhecimento oficial da família homoparental e das diversas outras configurações familiares discutidas na atualidade. Isso traz para o primeiro plano da Psicanálise de família a questão dos organizadores familiares trazida por Eiguer, na medida em que eles parecem constituir uma heurística capaz de nos ajudar a pensar as bases psíquicas com que as novas famílias estão se constituindo.

Apesar disso tudo, o conceito de família, - seja ela estruturada pelo casal heterossexual ou homossexual, matriarcal, tradicional ou constituída por meio-irmãos -, permanece firme no ideal do ser humano. A família traz os limites do espaço mediado por relações afetivas, capazes de propiciar a seus membros o espaço mental necessário para o desenvolvimento do pensamento, capacidade para delimitar fronteiras adequadas, entre a falta e o excesso, de forma que exista a possibilidade de manter trocas afetivas que contenham funções de ouvir, discernir e acompanhar, sem ceder à ânsia de eliminar conflitos.

No filme Shelter, a irmã deixa seu filho a maior parte do tempo com o protagonista, para curtir a farra. Cansado dessa situação, e ainda apaixonado pelo irmão do seu amigo, o jovem resolve adotar o sobrinho com o seu amor e construir uma família.


ReferênciasFREUD S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade - 1905. Rio de Janeiro: Imago,1989 CASSIRER E. Ensaio sobre o Homem. São Paulo: Martins Fontes, 1997 SARTI C. A. A família como ordem simbólica. São Paulo: Psicologia da USP. Vol. 15/3, 2004 EIGUER A. Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985 BERENSTEIN I. Psicoanalizar una família. Buenos Aires: Paidós, 1996 (2ª reimpressão) BOX S., COPLEY B., MAGAGNA J., MOUSTAKI E. Psicoterapia com famílias: Uma abordagem psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994- fonte: uol.com

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