sábado, 2 de outubro de 2010

"O que é democracia" ?- Francis Fukuyama

O que é democracia? A ideia de um governo da maioria é frequentemente subvertida para se prestar aos mais variados interesses. Resgatá-la significa, por exemplo, o respeito às minorias, um sistema econômico justo e leis que garantam os direitos humanos.

Em O Fim da História, o pensador norteamericano Francis Fukuyama dizia que, com o colapso do comunismo, a democracia e o capitalismo se firmaram como os grandes vitoriosos entre todos os sistemas e ideologias existentes. Mas democracia é um conceito esquivo, como se tem visto muito recentemente.

O Ato Patriótico, assinado pelo ex-presidente norte-americano George W. Bush após os atentados de 11 de setembro de 2001, por exemplo, ia contra uma série de direitos civis.

Há dúvidas consideráveis a respeito de os atuais regimes da Venezuela e do Irã poderem ser considerados democracias. A historiadora indiana Thapar Romila, professora emérita da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi, analisa a seguir os vários aspectos que cercam a ideia de democracia.

Nas cidades gregas, os escravos eram a maioria.

O ideal democrático nunca foi totalmente traduzido na prática. Muitas das chamadas sociedades democráticas do passado foram sequestradas e tornaram-se oligarquias em que a retórica democrática era usada para preservar a ficção de que o grupo dominante representava a maioria.

As cidades-estado gregas, por exemplo, são frequentemente citadas como as primeiras democracias, mas é convenientemente esquecido que, nelas, o número de cidadãos livres era superado pelo de escravos e estes não eram representados nem tinham qualquer direito. À luz da experiência histórica, como a democracia pode ser adaptada às circunstâncias atuais?

Nos tempos modernos, a democracia tem sido frequentemente associada ao Estadonação. Mas talvez não devêssemos esquecer a experiência das unidades políticas e sociais menores que, no passado, foram governadas adotando programas semidemocráticos.

Aqueles que buscaram dotar o Estado-nação de uma identidade, associando-o à classe média ou a um grupo regional, linguístico, étnico ou mesmo religioso, afirmaram estar fazendo isso em nome da democracia. Às vezes, tem-se argumentado, essas comunidades eram fictícias e sua identidade ostensiva camuflava aspirações ocultas.

Ao equiparar-se a identidade do grupo ao nacionalismo, as causas democráticas e nacionais se uniram. Mas, nesses Estados-nações, o funcionamento da democracia era limitado pelo nacionalismo ao qual estavam ligados. Agora que o Estado-nação está sendo cada vez mais questionado, devemos também questionar a democracia - ou certos tipos de democracia?

Uma questão que poderia ser feita é se a democracia pressupõe o secularismo. Em muitas partes do mundo, a religião está sendo manipulada politicamente numa escala sem precedentes. Ao dizer isto, não estou contestando o direito de as pessoas praticarem sua fé, mas a maneira como vários políticos e fundamentalistas distorceram esse direito. Se questionar a função pública da religião leva necessariamente ao secularismo, então isso poderia incentivar a promoção de outra abordagem para a democracia, especialmente em sociedades nas quais várias religiões existem lado a lado.

As minorias já sabem que não podem ser excluídas

A democracia implica representação e decisões baseadas nas opiniões da maioria. Mas o que constitui uma maioria? Se é simplesmente uma questão de número de votos nas eleições, isso abre caminho para fraudes eleitorais ou para a mobilização de apoio da massa por ideologias que parecem abraçar uma variedade de causas, mas que, na realidade, não são mais do que um mecanismo para atrair e controlar um grande número de pessoas.

Penso aqui sobre o tipo de populismo reacionário baseado em raça ou religião que repetidamente causou tensões e violência em muitas partes do mundo. Nos interesses de uma verdadeira democracia, valeria a pena considerar como tais movimentos podem ser impedidos de impor sua definição de governo da maioria, especialmente quando as comunidades religiosas são exploradas politicamente, como parte de uma agenda supranacional oculta.

O moderno Estado-nação também enfrenta o problema de acomodar as culturas minoritárias, as quais estão cada vez mais conscientes de que não podem ser excluídas da maioria democrática. Esse problema poderá se tornar especialmente agudo nos países industrializados, onde grupos nitidamente diferentes têm sido reunidos à força por meio de conexões coloniais passadas e necessidades econômicas presentes, e onde uma maioria numérica é, por vezes, reduzida à condição de uma minoria política. Nas ex-colônias, onde tais conflitos também são conhecidos, os grupos divergentes pelo menos compartilham normalmente alguma herança e história comuns.

A melhor maneira de entender a correlação entre cultura e democracia é examinar a maneira pela qual os indivíduos ou grupos escolhem sua identidade e percebem a diferença entre eles e os outros. Em parte, esse é o resultado da socialização precoce. Também pode nascer de tensões e conflitos, que aguçam a percepção das pessoas sobre sua identidade.

Por que, aliás, o Estado-nação deve insistir em uma única identidade? Afinal, as pessoas têm identidades múltiplas. A esterilidade de uma identidade única poderia ser substituída por uma multifacetada, envolvendo padrões sociais e culturais mais complexos. A democracia multifacetada também seria mais difícil de controlar politicamente.

A democracia representativa muitas vezes acaba com o poder removido e distante do cidadão. Agora que o cinema, a televisão e a publicidade entraram todos em ação, os supostos representantes do povo se veem dirigindo-se a audiências que não podem sequer ver.

A verdadeira representatividade deve ser baseada em alguma referência lastreada nos eleitores, que também devem manter o direito de cassar seus representantes, se assim o desejarem. Esses direitos aparentemente negativos podem fornecer um corretivo essencial para a tendência de os representantes se transformarem em personalidades influentes.

O mercado livre tem suas qualidades, mas pode também prestarse a outros tipos de demandas ditatoriais, como a do consumismo.

O colapso de algumas economias socialistas levou os povos desses países a uma esperança desesperada de que o mercado livre iria protegêlos do ressurgimento de regimes totalitários. Mas a experiência de outros países mostra que o mercado não pode fazer isso. Infelizmente, ele pode prestar-se igualmente bem a outros tipos de demandas ditatoriais - do consumismo, da indústria de armamentos, das corporações multinacionais e de outros interesses.

Tais demandas, que corroem a igualdade de oportunidades e a justiça social, só podem ser combatidas por um sistema econômico justo e um sistema jurídico que seja acessível a todos os cidadãos e impeça a erosão dos direitos humanos e a anulação da dignidade humana.

No entanto, qualquer sistema pode ser prejudicado, maltratado ou anulado se aqueles que o controlam não puder em ser contestados. Instituições que supostamente agiriam como vigilantes muitas vezes acabam por favorecer os abusos que deveriam evitar.

A articulação da discordância e do protesto é imperativa para os sistemas democráticos. Mesmo nas sociedades democráticas, quando se ensinam às crianças seus direitos e deveres, raramente se dá atenção a seu direito de discordar. A conformidade é um prêmio, e a discordância é desaprovada ou ignorada. O sujeito submisso, em vez do indivíduo autônomo, é considerado o cidadão ideal.

Em defesa do caso do indivíduo autônomo, não estou defendendo uma sociedade anárquica. Indivíduos autônomos não se estabelecem para destruir a sociedade; eles estão preocupados em mudá-la por meio de maneiras criativas. Eles não necessariamente fazem parte da estrutura do poder em si, mas comentam sobre isso e, se for necessário, protestam contra ações específicas tomadas pelos detentores do poder. Enquanto se aceitar que há espaço para a autoridade moral, bem como a autoridade política e social na gestão da sociedade, essas pessoas sempre terão um lugar no processo democrático.



ECA, 20 anos: avanços e desafios"- Fábio Ribas Jr.

Países com altos índices de pobreza e desigualdade só avançarão na direção do desenvolvimento sustentável (economicamente viável, ambientalmente equilibrado, socialmente justo) se incluírem efetivamente entre suas prioridades a garantia dos direitos e a melhoria da qualidade de vida dos setores mais vulneráveis da população – entre os quais despontam as crianças e adolescentes em situação de risco ou com direitos violados. No Brasil, uma condição fundamental para o avanço nessa direção foi criada em 1988, quando foram introduzidos na Constituição Federal avanços obtidos na ordem internacional em favor da infância e da juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio na sequência, em 1990, detalhando os direitos desse público (que constitui cerca de um terço da população brasileira) à saúde, educação de qualidade, proteção no trabalho, convivência familiar e comunitária saudável, liberdade e dignidade. Desde então o Estatuto vem promovendo a formação de uma nova mentalidade, baseada na visão das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e seres em processo de desenvolvimento, o que tem contribuído para o aprimoramento da atuação de inúmeras instituições e programas de atendimento. Ao longo da última década houve avanços no grau de informação e compreensão da sociedade sobre as violações dos direitos das crianças e adolescentes - trabalho ilegal, violência doméstica, evasão escolar, violência sexual, entre outros - e sobre as causas desses problemas. O aprimoramento das políticas públicas voltadas à promoção de condições para o fortalecimento, inclusão produtiva e autossustentação das famílias mais vulneráveis, vem sendo crescentemente reconhecido como fator crítico para a melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Vem crescendo também a compreensão da sociedade sobre a necessidade de se prover condições para a garantia de direitos desde a tenra idade (atenção à saúde materno-infantil, educação infantil de qualidade) e do valor e impacto positivo de ações como essas para construção de uma sociedade mais equilibrada. Temas polêmicos como o envolvimento de adolescentes em atos infracionais vêm sendo discutidos com maior profundidade, o que abre caminho para progressos na estruturação de programas que ofereçam a esses adolescentes uma forma de atendimento baseada na plena observância dos direitos humanos e capaz de promover sua reintegração saudável na comunidade. No final de 2009 a nova lei de adoção trouxe aprimoramentos para a garantia do direito à convivência familiar previsto no ECA, ao determinar que crianças e adolescentes não podem permanecer mais de dois anos nas instituições de acolhimento e que sua situação seja reavaliada a cada seis meses, evitando assim o risco de uma institucionalização prolongada e prejudicial. Os Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e Fundos da Criança e do Adolescente – instrumentos essenciais para a adequada gestão das políticas do setor – vêm se tornando progressivamente mais conhecidos pelo público em geral. Mais cidadãos e empresas têm procurado apoiar projetos de defesa e promoção dos direitos das crianças e jovens, por meio da participação direita em organizações ou programas de atendimento ou da destinação de recursos financeiros aos Fundos da Criança e do Adolescente.


1 Diretor Executivo da Prattein – Consultoria em Educação e Desenvolvimento Social.

A criação desses mecanismos de gestão (Conselhos e Fundos) foi um avanço trazido pelo Estatuto que abriu a possibilidade de participação mais ampla e efetiva da sociedade na formulação e controle das políticas do setor.

Contudo, todos esses avanços ainda podem ser considerados pequenos em face da magnitude dos problemas a enfrentar.

Ainda falta aos governos um melhor entendimento sobre a necessidade de fortalecimento dos Sistemas de Garantia de Direitos e das redes de atendimento e sobre a obrigação do Poder Executivo de dotar os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares com condições adequadas ao seu pleno funcionamento.

Os governos precisam compreender que os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são instâncias de gestão compartilhada de políticas públicas que em muito podem contribuir para melhorar a qualidade da aplicação dos recursos e a eficácia dos programas de atendimento. No plano do desenvolvimento político da sociedade, esses conselhos podem contribuir para o aprimoramento da democracia porque propiciam a ampliação da participação da sociedade na vida pública.

É preciso que os governos se abram à participação efetiva dos Conselhos de Direitos como órgãos gestores e apóiem sua estruturação e funcionamento. Por seu turno, os conselheiros precisam ser escolhidos com base em critérios de competência, espírito público e representatividade em relação aos interesses do conjunto da sociedade (que devem prevalecer sobre interesses específicos de partidos políticos ou entidades de atendimento). Só assim eles poderão exercer com plenitude os papéis fundamentais que o Estatuto lhes reservou.

Passados 20 anos da promulgação do Estatuto, a maioria dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente ainda conta com poucos recursos para implantar programas de atendimento. Não se pode fazer política social eficaz sem orçamentos consistentes. Os governos devem alocar recursos suficientes nos orçamentos públicos destinados às crianças e adolescentes. A ampliação da divulgação da existência dos Fundos e a mobilização da sociedade para doações e destinações é parte importante desse esforço.

No entanto, o emprego adequado dos recursos depende da existência de diagnósticos qualificados e periodicamente renovados sobre as necessidades a serem atendidas em cada localidade.

Este talvez seja o maior desafio dos próximos anos: a qualificação do processo de diagnóstico, planejamento técnico e orçamentário e monitoramento das políticas de garantia de direitos em cada município. A falta de diagnósticos qualificados faz com que muitos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, Orçamentos e Fundos para o atendimento de crianças e adolescentes ainda apresentem elevado grau de fragilidade e as políticas de proteção, prevenção e promoção de muitos municípios e Estados brasileiros ainda sejam incipientes.

Os Conselhos de Direitos precisam ser estimulados e apoiados em todo o país para que cumpram sua atribuição fundamental de propor programas prioritários de atendimento, fundamentados em diagnósticos precisos e transparentes. Somente assim os governos e a sociedade terão meios para aferir se as violações de direitos estão sendo reduzidas e eliminadas e se os preceitos do ECA estão sendo concretizados.

Este seria então um mote para os próximos 20 anos do ECA: fazer com que a afirmação dos direitos das crianças e adolescentes na consciência ética de um número crescente de cidadãos se desdobre em práticas de gestão pública, ação e participação social que garantam a efetivação desses direitos na vida cotidiana de cada cidade.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

" Uma relação delicada: a escola e o adolescente"- Maria de Lourdes Trassi Teixeira

“O novo século elege a prioridade educativa como sua aliada na edificação de uma nova ordem social onde todos contam e cada um possa ser capacitado para participar ativamente num processo de desenvolvimento que recupera a centralidade da pessoa na sua mais plena e inviolável dignidade.” (Relatório da Comissão Internacional de Educação para o século XXI da UNESCO, p. 224)

O relatório O olhar da escola sobre o adolescente em conflito com a lei (1) aborda um aspecto delicado que condensa certa complexidade: a entrada e permanência na escola do adolescente autor de ato infracional, em cumprimento de medida socioeducativa.

As escolas, junto às quais o levantamento de dados ocorreu, se situam nas regiões de pobreza de cidades com diferentes perfis sócio-econômico-político-demográficos do estado de São Paulo e capturam com os seus educandos todos os fenômenos que vicejam ali: o desemprego, a ausências das políticas públicas, as diversas expressões da violência (não só a criminalidade!).

A pobreza, a fome, a violência, as drogas entram com os alunos nos estabelecimentos de ensino, quando até há pouco tempo ficavam de fora com as crianças e adolescentes não escolarizados. Esta é uma constatação do Relatório da UNESCO, elaborado pela Comissão Internacional de Educação para o século XXI (p. 154) (2).

A tendência mundial – em nosso país, também – à universalização da escolarização coloca inúmeros desafios a serem pensados por todos os setores da sociedade. São desafios éticos, políticos, técnicos e de orçamento. Estes desafios se revelam nestas escolas dos bairros pobres na falta de pessoal para atender os alunos (ausência de professores?), superlotação das salas, falta de espaço físico adequado, número excessivo de períodos escolares, diversidade de níveis de ensino, ausência de integração com a comunidade, questão salarial dos professores (3); em síntese, o desafio é superar a precariedade da qualidade do ensino que é oferecido a todos os adolescentes, educandos do sistema público de ensino.



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A busca de compreender as questões decorrentes da entrada e permanência do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa na escola leva a considerar que a educação escolar é atravessada (e constituída) por processos históricos, culturais, econômicos, sociais, políticos, éticos e, também, psicológicos; e, na escola - uma agência social – identificamos todas as tensões, conflitos, antagonismos que constituem e estão difusos na convivência coletiva.

Na instituição escolar, circulam as mesmas representações sociais – idéias, sentimentos – e atitudes circulantes na sociedade sobre o adolescente e sobre aquele que é autor de ato infracional: tolerância, preconceito, compreensão, hostilidade, rejeição, medo, dó, pavor, compaixão, indiferença. Portanto, embora cause estranheza que a instituição destinada à formação das novas gerações não tenha, exclusivamente, uma disposição, a priori, acolhedora para com os adolescentes autores de ato infracional, isto não poderia ser diferente.

É relevante colocar como objeto de reflexão a relação da escola com este adolescente e as implicações disso para a sua vida, de sua família, da comunidade à qual pertence, com a finalidade de construir dispositivos que favoreçam o exercício do direito à educação deste adolescente cidadão, cuja biografia-identidade não é redutível à prática do ato infracional.

A recepção do adolescente e/ou sua família pela escola e a sustentação de sua permanência, os manejos administrativos, técnicos, pedagógicos deste adolescente indicam um modo de olhar, de escutá-lo, compreendê-lo, revela uma mentalidade. Aquela do antigo Código de Menores pautada na doutrina da situação irregular que estabelecia uma política assistencialista e repressiva para as crianças e adolescentes pobres; ou, a mentalidade do novo instrumento jurídico de garantia dos direitos à infância e adolescência pautada na doutrina da proteção integral – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As conseqüências do modo como ele é recebido e incentivado ou não a permanecer na escola pode desenhar o presente e o futuro deste adolescente e, também da comunidade à qual pertence.



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A adolescência como uma etapa intermediária entre a infância e a vida adulta adquire representação social e torna-se objeto de estudo a partir do final do século XVIII. Concebida como uma fase difícil do desenvolvimento humano, já surge como problema, quer no interior dos saberes que passam a esquadrinhar os seus aspectos físicos, psíquicos, sexuais e morais; quer como acontecimento perturbador do cotidiano das relações familiares e de convivência. A conceituação da adolescência é polêmica nas várias especialidades, inclusive na psicologia. Há, contudo, um consenso: a adolescência se inicia na puberdade, com as mudanças orgânicas que se revelam no corpo. Usando como referência este consenso, o ECA (Lei 8.069) estabelece as faixas etárias para definir juridicamente a infância (0 a 12 anos) e adolescência (12 a 18 anos).

“Na linha do tempo, a vida dos indivíduos é marcada por etapas, sejam elas sinalizadas pelo desenvolvimento biológico, por ritos sociais, por determinações de ordem objetiva, por tudo isto e muitas outras variáveis históricas ou circunstanciais conectadas. Quando nos referimos ao desenvolvimento endócrino do púbere não quer dizer que consideramos exclusivamente os aspectos orgânicos como definidores, mas que este é um fato inegável, comprovado e produz alterações importantes na vida do indivíduo. Claro que estas alterações poderão ser maximizadas ou minimizadas, em seus efeitos na conduta, dependendo dos ritos sociais que cercam esta passagem (por exemplo, o controle da conduta sexual) ou de aspectos singulares da biografia de um adolescente (por exemplo, a prática do ato infracional). Ou, ainda, uma determinada condição de vida objetiva. A pobreza, por exemplo, poderá implicar que este aspecto, o biológico, deixe de ser significativo porque, independente dele, o indivíduo deverá ingressar na vida adulta – o trabalho (4) – como provedor da renda familiar, uma função destinada aos adultos em nossa sociedade. Neste sentido, a adolescência como uma etapa da vida deve ser compreendida também como uma variante da condição social de classe (5). Outro consenso é que aspectos jurídicos, históricos, sociais, culturais, tecnológicos interferem, produzem adolescências...” (TRASSI, 2006).

Neste momento da sociedade contemporânea, há uma perplexidade, com matizes diferentes em vários lugares do mundo, na compreensão das novas condutas adolescentes (hábitos, linguagem, música, relações amorosas, uso da tecnologia – as culturas juvenis) marcadas por um padrão de ruptura mais radical, do que nas gerações anteriores, com os valores das gerações mais velhas, com os valores da tradição e da história.

E, há um paradoxo: os adolescentes são considerados agentes sociais autônomos, independente da tutela dos adultos porque bons consumidores (a propaganda os elegeu alvo preferencial do consumo) + são treinados para uma autonomia precoce (que, muitas vezes, confunde-se com desresponsabilização dos adultos, abandono) + busca-se o seu submetimento a um cenário social que as gerações mais velhas construíram + seu estilo de vida (padrão de consumo de bens culturais e materiais) tornou-se ícone (objeto de identificação) para parte das gerações mais velhas = uma equação enigmática mas cujos resultados já estamos vivendo.

Neste contexto complexo, agrega-se mais um aspecto, que circula no mundo todo: a associação adolescência/juventude – violência. No caso do Brasil, isto se revela na intensificação da criminalização dos adolescentes pobres: são perigosos ou potencialmente perigosos.

Neste sentido, a matrícula pelas mães dos adolescentes e a omissão de sua condição de cumprimento de uma medida socioeducativa pode ser compreendida como um indicador do temor que na escola também poderá se reproduzir a experiência de preconceito em relação a seus filhos, intensificado pela prática do ato infracional; e, portanto, não irá conseguir “a vaga”. Ao mesmo tempo, a fala dos gestores sobre esta omissão das mães parece indicar que colocam isto no mesmo lugar da transgressão dos filhos que estas mães protegem/”acobertam” e se sentem enganados.

Faz parte deste contexto inicial – a obtenção de vaga/matrícula – a referência dos gestores à matrícula por determínio judicial; ou seja, por pressão de uma ordem do poder judiciário. Nenhuma referência ao direito à educação – artigos 53 e 54 do ECA.

O cenário social favorece que, também na escola, os adolescentes (em geral) e os autores de ato infracional (em especial) sejam vistos, recebidos como aqueles que potencialmente poderão desestruturar, tumultuar o ambiente escolar já frágil em sua precária organização denunciando uma dificuldade que se refere a todos os adolescentes que inauguram um novo modo de ser, de se comportar. É necessário considerar isto: hoje, as dificuldades da escola (e da família, também!) se referem ao modo de lidar com a adolescência. E, com os adolescentes em medida socioeducativa as dificuldades ou perplexidades parecem ser maiores e mais perturbadoras: deve-se ou não revelar que o adolescente está em Liberdade Assistida (L.A.)?

O encobrimento de alguns gestores quanto a este aspecto da vida dos adolescentes – evitar que a informação de sua situação de liberdade assistida se espalhe na escola, sobretudo entre os alunos – parece referir-se a um cuidado com um acontecimento da história de vida do adolescente; ao mesmo tempo, está repetindo aquilo do que se queixam que as mães fazem quando intermediam o processo de matrícula e pode, também, indicar aspectos problemáticos. Por exemplo, a suposição do preconceito dos demais alunos e dos pais e aí podemos perguntar: a escola não é o lócus privilegiado para a expressão e elaboração desta dificuldade que obstaculiza a convivência coletiva? Ou, pode indicar o temor do contágio dos demais adolescentes pelos L.A.; ou, pode indicar o temor da liderança deste novo aluno (o L.A.) que faz a coisa errada e vira herói e pode mobilizar setores dos adolescentes; ou... Há uma tendência a construir ou manter um “segredo” sobre algo que o grupo-escola já sabe por que os adolescentes fazem parte da comunidade do entorno da escola. São raras as referências que esta é uma questão que deve ser tratada com transparência e franqueza; e, a ser acordada com o adolescente porque diz respeito a um acontecimento de sua biografia pessoal, de sua identidade em transformação.

O relatório da Unesco assinala em sua introdução (p. 22) “... uma das maiores dificuldades de qualquer reforma: as políticas a adotar em relação aos jovens e adolescentes que terminam o ensino primário. Políticas que cubram o período que decorre até a entrada na vida profissional ou no ensino superior”. Neste caso, a referência não se restringe aos aspectos comportamentais dos adolescentes e jovens, ao seu modo de se relacionar com o mundo, com o outro e consigo mesmo; mas, também, aos seus novos e desconhecidos interesses que tornam – para ele – a experiência escolar pouco atraente, útil, significativa e de difícil permanência, nestes tempos de produção contínua de conhecimentos e avanços tecnológicos ininterruptos. Portanto, a dificuldade de permanência na escola não é exclusividade do adolescente envolvido com a prática do delito. Ele revela, de modo mais contundente, o desinteresse por aquilo que a escola quer ensinar. E, isto é compreendido pelos gestores como característica do adolescente difícil e, com raras exceções, não ouvem, não problematizam – não se percebem implicados – o que eles falam, cantam, gritam, picham.

A tentativa de resolver os conflitos escolares pela construção do bode expiatório (um indivíduo/o L.A., um grupo) ou através de práticas disciplinares mais rígidas e autoritárias que usam inclusive a força policial não tem se mostrado eficiente; pelo contrário, vai produzindo aquilo que mais se teme o fracasso da autoridade, o risco de perdermos o adolescente (6).

A escola, com freqüência cada vez maior, prepara-se para receber seus educandos tornando-se uma “escola blindada”, ou uma “escola caserna”: muros altos, grades, cadeados, vigias, ronda escolar em um ambiente, muitas vezes, fisicamente deteriorado, sem biblioteca, sem equipamentos tecnológicos, sem área de lazer e, às vezes, sem ventilação adequada, sem água e sem professor ou com professores que são a primeira força contrária a recebê-los... querem que a escola seja elitizada(!). É uma recepção e permanência expulsiva que, no caso do adolescente autor de ato infracional, começa a se revelar na resposta, bastante significativa, que eles conseguem vaga por pressão judiciária. Ou seja, não deveriam estar ali. E, quando estão suscitam medo.

Medo é uma palavra recorrente no relatório O olhar da escola sobre o adolescente em conflito com a lei. E, o medo – em casos extremos, o pavor – está associado a: insegurança com sua chegada à escola, resistência dos professores em trabalhar com esses alunos, atitudes de rejeição, situações de confronto, comportamento cauteloso, professores intimidados por esses alunos. Neste contexto de fragilidade das relações é pertinente perguntar: como é possível ensinar, com medo? É possível aprender nesta relação invertida de poder? Há também a referência a relações tranqüilas marcadas pela aceitação, expressas em uma convivência harmoniosa e compreensiva. E, aí é possível pensar que o vínculo educador-educando pode se construir de modo significativo; uma condição necessária para que o exercício de aprender a aprender, aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver – metas da educação neste século XXI – seja possível.

O relatório O olhar da escola sobre o adolescente em conflito com a lei, que a escola integrada à comunidade local, com um bom diagnóstico da realidade, se transforma em um espaço de convivência e busca, em conjunto, as soluções das dificuldades urgentes (o lixo, o barraco que caiu) ou crônicas (a ausência de lazer) desta comunidade e indicam resultados bem sucedidos; ou seja, as reclamações sobre os adolescentes e sobre a omissão de suas famílias diminuem.


A pesquisadora Áurea M. Guimarães,no livro Vigilância, Punição e Depredação,relata a pesquisa realizada em escolas públicas da cidade de Campinas (SP) onde ocorria depredação dos equipamentos e prédios escolares e concluiu que esta era uma forma de contestação à vigilância e à punição instaladas na escola. A depredação distinguia os bons e os maus alunos: aquele que depredava era considerado “marginal” (7). Nas palavras da autora: “Esse procedimento (atribuição da identidade de marginal) impedia que a depredação resultasse em formas mais amplas de manifestação e que os alunos radicalizassem suas críticas à escola, pois eles mesmos (os alunos) acabavam associando depredação à “marginalidade”. Muitos até se culpavam por suas reações, não percebendo que a violência primeira partia da própria escola e que a depredação expressava tanto uma forma de contestação, como uma maneira que a administração encontrava para neutralizar as ações que visassem críticas à escola” (p. 2).

Posteriormente volta a pesquisar o tema da violência na escola (8) e dá pistas para compreender um aspecto também assinalado nos dados apresentados no relatório do Instituto Fonte – a ambigüidade do fenômeno da violência e a ambigüidade (9) / dificuldades dos gestores e professores das escolas em reconhecer suas ações expulsivas, repressivas e desencadeadoras da própria violência (aquilo do que se queixam). Ou seja, o discurso da aceitação e da vitimização (pena, dó, uma situação infeliz) do adolescente coexiste com o medo e a insegurança frente a ele. E a autora aponta a possibilidade de compreender as ações, às vezes brutais dos adolescentes, como resistência – no cotidiano – à tentativa de homogeneização das normas institucionais ou como revelação de algo que a “escola fez” a ele (a suspensão, o não aprender, a humilhação) ou como exercício da contestação, como insubmissão, disputa de autoridade, como afirmação da identidade pela liderança dos pares mesmo em situações destrutivas. Neste sentido, é ilustrativo o dado do menino que conta para a professora que carrega o revólver para ter status... as meninas valorizam(!).

Esta situação compreendida exclusivamente na sua aparência de destrutividade, desordem leva muitos diretores a negar a vaga e só aceitar o adolescente autor de ato infracional com determinação judicial, ou com a intervenção do conselho tutelar ou com intensa negociação das entidades executoras de medida socioeducativa de meio aberto (no caso, Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à comunidade). Alguns gestores atribuem esta dificuldade em “dar a vaga” aos apelos da comunidade escolar (pais, professores); outros atribuem a experiências anteriores mal-sucedidas com adolescentes em medidas socioeducativas; e, outros à precariedade da escola (ausência ou faltas de professor, ausência de policial fixo na escola). Esta situação vai configurando um ambiente hostil. E, a isto o adolescente reage também com hostilidade, brutalidade, em uma franca disputa de liderança em que perdem todos.

Nesta história real, a relação professor – aluno / educador – educando constitui aspecto central. É constante nos estudos sobre o tema a afirmação “a relação estabelecida entre professor e aluno constitui o cerne do processo pedagógico”. Um exemplo radical é a fala do professor que “fechando a minha porta, eu faço o que quiser”. E, o que acontece pode ser, no caso, uma experiência de encantamento (bem-sucedida) com o grupo de alunos difíceis, a relação pedagógica sustentada no vínculo entre educador e educando possibilitando o desenvolvimento do aluno em todos os seus aspectos (emocional, intelectual e social); ou, uma experiência de violência.

O saber pode evidentemente adquirir-se de diversas maneiras e o ensino à distância ou a utilização das novas tecnologias, no contexto escolar, têm-se revelado eficazes. Nas escolas pesquisadas, os gestores referem-se, com freqüência ao ensino supletivo como alternativa para estes adolescentes. Mas, para quase todos os alunos, em especial para os que não dominam ainda os processos de reflexão e de aprendizagem (os multirrepetentes, os que retornam após longo período fora da escola) o professor continua indispensável.

A grande força dos professores reside no exemplo que dão, manifestando sua curiosidade, reconhecendo os próprios erros, desenvolvendo no educando a revolucionária capacidade de pensar sobre o outro, sobre o mundo, sobre si mesmo. O Relatório da Unesco enfatiza a necessidade de o ensino contribuir para a formação da capacidade de discernimento e do sentido das responsabilidades individuais; nas sociedades modernas, o aluno necessita ser capaz de adaptar-se às mudanças, continuando a aprender ao longo da vida. O trabalho e o diálogo com o professor ajudam a desenvolver o senso crítico do aluno. E, a condição para que tudo isto ocorra é a existência de um vínculo significativo entre ambos. Ou, na linguagem de Rubem Alves, é necessário um vínculo amoroso.

E, como realizar isto se o professor tem medo do seu aluno, cria estratégias para que ele desista, ou constrói uma profecia do fracasso cujas conseqüências irão se desdobrar ao longo de sua vida?

A experiência do fracasso ou a sua profecia (profecia auto-realizadora) leva a criança/adolescente a definir para si uma expectativa de sucesso muito baixa e baixo nível de aspiração o que vai implicar em baixa auto-estima e, de novo, começamos a perder o nosso adolescente que agora disputamos também com o crime organizado que oferece a ele, trabalho, dinheiro e uma arma – ícones de identidade. Ele, finalmente, se sente reconhecido, valorizado, mas, não sabe que seqüestraram seu futuro.

Neste aspecto, é importante reconhecer nos dados da pesquisa que os professores, gestores que conseguem se aproximar do adolescente e ver nele, habilidades, capacidades, inicia um percurso, às vezes longo, de resgate de mais um. Nenhuma a menos.

Edward Ziegler em suas pesquisas, já na década de 60 do século XX, sobre o fracasso escolar, concluía que a preocupação da escola com o desenvolvimento intelectual da criança/adolescente deve ser ampliado e incluir o desenvolvimento social e emocional. A criança ou adolescente, com histórico de privação de afeto e atenção de adultos significativos, têm, nos anos posteriores, uma necessidade atipicamente alta de atenção e afeto. Frente a tarefas cognitivas, não parecem motivadas a resolver os problemas intelectuais que enfrentam; mas, ao contrário, empregam suas interações com os adultos (no caso, os professores) para satisfazer a necessidade de afeto, atenção. Se o professor estiver sintonizado apenas com os aspectos cognitivos pode deduzir dificuldades que não são reais; por outro lado, se tiver uma compreensão global do educando pode concluir que o que está interferindo são fatores emocionais que se supridos com uma interação positiva (o vínculo amoroso) poderia se surpreender com os progressos da criança adolescente. Outro aspecto relevante apontado por Ziegler é que as crianças que viveram privações afetivas têm uma alta motivação para interagir com os adultos e, ao mesmo tempo, são excessivamente cautelosas porque vêem os adultos como potencialmente punitivos, os temem e acabam reagindo negativamente embora queiram muito a resposta positiva de aceitação, expressão afetiva do adulto (o professor).

A este último aspecto, no caso dos adolescentes autores de ato infracional, se soma: experiências concretas de punições excessivas ou vivências de violência (violência intrafamiliar, violência na escola, violência policial) em sua história anterior ao ato infracional; ou mesmo, de excessos posteriores à sua apreensão (violência nas delegacias de polícia, no sistema de internamento provisório ou da medida sócio educativa de privação de liberdade que, com maior freqüência, tem antecedido a medida de L.A.).

A entrada na escola de alunos com grandes dificuldades no ambiente social (não só familiar!) impõem novas tarefas aos professores para as quais eles não estão, muitas vezes, suficientemente preparados. Os vários estudiosos da área elencam, além das dificuldades que degradam a condição de trabalho do professor – recrutamento em massa de professores, ausência de solidariedade entre eles, a falta de recursos financeiros e pedagógicos, a superlotação das salas –, a ausência de formação inicial ou contínua dos professores que, segundo o Relatório da UNESCO “a finalidade principal... é desenvolver neles as qualidades de ordem ética, intelectual e afetiva que a sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo leque de qualidade.” (p. 162)



* * *

Eric Hobsbawm, historiador inglês, em sua obra A Era dos Extremos - O breve século XX, afirma, referindo–se ao século XXI, “não temos o mapa do futuro”. Este século enfrenta o seu maior desafio: o da reconstrução das comunidades humanas. Há muitos sinais de intolerância... A solidariedade (com o outro próximo e o outro anônimo) e o novo espírito comunitário (para além das fronteiras geográficas) podem se constituir em princípios organizadores de vida, como alternativa ao risco de dissociação dos vínculos sociais. Nesta perspectiva, as agências primárias de socialização como a família e a escola são convocadas a reassumir o seu papel na formação das novas e futuras gerações. E, “... a escola, independentemente de seu estatuto específico – privado, cooperativo ou governamental –, é tipicamente uma esfera de ação pública como ambiente e lócus de socialização... Em sociedades cada vez mais complexas e multiculturais, a emergência da escola como esfera pública acentua sua relevância insubstituível na promoção da coesão social, da mobilidade humana e da aprendizagem da vida em comunidade”. (Relatório da UNESCO, p. 222-223).

E, então, nenhum desperdício de vidas.


Notas



1 - Realizado pelo Instituto Fonte para o desenvolvimento social, sob a coordenação de Daniel Brandão, refere-se ao levantamento de dados junto aos gestores de escolas públicas estaduais e municipais das cidades de Campinas (sete escolas), Guarujá (sete escolas) e Guarulhos (cinco escolas) com a finalidade de investigar “Qual o olhar das escolas sobre o adolescente (aluno) que cumpre/cumpriu medida socioeducativa ?”


2 - As escolas que atendem grupos e setores sociais que não vivem a condição da pobreza, da fome assinalam a presença das drogas e da violência na escola, no Brasil e em muitos lugares do mundo.


3 - A reprodução de trechos do relatório O olhar da escola sobre o adolescente em conflito com a lei, do Instituto Fonte, estará discriminada no corpo do texto com letras em itálico.


4 - É recorrente no relatório, a referência ao trabalho como alternativa necessária à integração social para esses adolescentes; é importante considerar que esta não é uma expectativa social para os adolescentes não pobres.


5 - O pesquisador Sergio Adorno em seu estudo sobre o adolescente e a criminalidade na cidade de São Paulo afirma que as diferenças mais relevantes são entre adolescentes de diferentes classes sociais e não entre adolescentes infratores e não infratores de uma mesma classe social.


6 - Em 1984, na Unidade Terapêutica (os pequenos entre os menores) da Febem-sp, foi possível constatar, empiricamente, que a saída da escola (pela evasão ou expulsão) era um momento decisivo na vida do menino. A permanência na escola, mesmo que problemática e difícil, mostrava que ele ainda não tinha “escolhido” a prática de ato infracional como trajetória pessoal. A saída da escola era um indicador de sua “escolha”.


7 - A palavra “marginal” tem duas conotações: 1) equivalente a bandido, malfeitor; 2) à margem, aquilo ou aquele que está fora. Nas décadas de 60 e 70 proliferaram teorias sobre a marginalidade social como uma tentativa de compreender o fenômeno da pobreza e sua inserção no mundo urbano industrial; para isto ver o livro de Janice Perlman, O mito da marginalidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

8 - Publicada no livro A Dinâmica da Violência Escolar – conflito e ambigüidade, de Áurea M. Guimarães. Campinas: Editora Autores Associados, 1996.


9 - Segundo Marilena Chauí (1987), “ambigüidade não é falha, defeito, carência de um estado que seria rigoroso se fosse unívoco”. É uma condição do humano.



Referências Bibliográficas

ADORNO, Sergio e outros. O adolescente na criminalidade urbana em São Paulo . Brasília : Ministério da Justiça, Secretaria dos Direitos Humanos, 1999.

CHAUÍ, Marilena. O que é ser educador hoje? Da arte à ciência: a morte do educador. IN: Brandão, Carlos R. (org.). O Educador: vida e morte. Ed. Graal, 1982.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência: Aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987.

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GUIMARÃES, Áurea M. Vigilância, Punição e Depredação. 1985.

GUIMARÃES, Áurea M. A dinâmica da violência escolar – conflito e ambigüidade. Campinas (SP): Edit. Autores associados, 1996.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos - O breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

INSTITUTO FONTE. Relatório “O olhar da escola sobre o jovem em conflito com a lei - Guarujá, Guarulhos e Campinas” (mimeografado). 2007.

TRASSI, Maria de Lourdes. Adolescência Violência – desperdício de vidas. São Paulo: Cortez, 2006.

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ZIGLER, Edward. A mística ambiental: treinamento do intelecto versus desenvolvimento da criança. IN: Souza Patto, M.H Introdução à Psicologia do Escolar. São Paulo: T.A. Queiroz, 1981.





* Maria de Lourdes Trassi Teixeira é psicanalista, doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) na área de adolescência e violência, e conselheira da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.