terça-feira, 2 de março de 2010

“Onde andará o meu doutor?” de Tatiana Bruscky

Hoje acordei sentindo uma dorzinha. Aquela dor sem explicação e uma palpitação! Resolvi procurar um doutor.

Fui divagando pelo caminho. Lembrei daquele médico que me atendia vestido de branco e que para mim tinha um pouco de pai, de amigo e de anjo. Meu doutor, que curava a minha dor! Não apenas a do meu corpo, mas a da minha alma. Que me transmitia paz e calma.


Chegando à recepção do consultório, fui atendida com uma pergunta:

- "Qual o seu plano?

O meu plano? Ah! O meu plano é viver mais e feliz. É dar sorrisos, aquecer os que sentem frio e preencher esse vazio que sinto agora! Mas, a resposta teria que ser outra! O "meu plano de saúde"!

Apresentei o documento do dito cujo, já meio suado tanto quanto o meu bolso. E aguardei.

Quando fui chamada, corri apressada. Ia ser atendida pelo doutor, ele que cura qualquer tipo de dor. Entrei e o olhei. Me surpreendi!

Rosto trancado, triste e cansado. Será que ele estava adoentado? É, quem sabe, talvez gripado! Não tinha um semblante alegre, provavelmente devido a febre. Dei um sorriso meio de lado e um bom dia.

Olhei o ambiente bem decorado. Sobre a mesa à sua frente um computador e no seu semblante a sua dor. O que fizeram com o doutor? Quando ouvi a sua voz de repente:

- "O que a senhora sente? Como eu gostaria de saber o que ele estava sentindo... Parecia mais doente do que eu a paciente.

- Eu? - Ah! Sinto uma dorzinha na barriga e uma palpitação e esperei a sua reação.

Vai me examinar, escutar a minha voz e auscultar o meu coração. Para a minha surpresa apenas me enntregou uma requisição e disse:

- Peça autorização desses exames para conseguir a realização.

Quando li quase morri. Tomografia computadorizada, Ressonância magnética e Cintilografia.

Ai meu Deus, que agonia! Eu só conhecia uma tal de abreugrafia... Só sabia o que era "ressonar" (dormir), de "magnético" eu conhecia um olhar... e "cintilar" só o das estrelas!

Estaria eu a beira da morte? De ir para o céu? Iria morrer assim ao léu?

Naquele instante timidamente pensei em falar "Não terá o senhor uma amostra grátis de calor humano para aquecer esse meu frio"? O que fazer com essa sensação de vazio? Me observe doutor! O tal "Pai da Medicina", o grego Hipócrates acreditava que, "A arte da Medicina está em observar". Olhe pra mim... É bem verdade que o juramento dele está ultrapassado. Médico não é sacerdote.Tem família e todos os problemas inerentes ao ser humano.

Mas, por favor me olhe! Ouça a minha história! Preciso que o senhor me escute e ausculte. Me examine! Estou sentindo falta de dizer até aquele 33! Não me abandone assim de uma vez. Procure os sinais da minha doença e cultive a minha esperança! Alimente a minha mente e o meu coração... Me dê ao menos uma explicação! O senhor não se informou se eu ando descalça... Ando sim! Gosto de pisar na areia e seguir em frente deixando as minhas pegadas pelas estradas da vida. Estarei errada? Ou estarei com o verme do amarelão? Existirá umas gotinhas de solução? Será que já existe vacina contra o tédio? Ou não terá remédio?



Que falta o senhor me faz, meu antigo doutor! Cadê o Scot, aquele da emulsão? Que tinha um gosto horrível mas me deixava forte que nem um "Sansão"! E o elixir? Paregórico e categórico E o chazinho de cidreira, que me deixava a sorrir sem tonteiras? Será que pensei asneiras?

Ah! Meu querido e adoentado doutor! Sinto saudades... Dos seus ouvidos para me escutar... Das suas mãos para me examinar...Do seu olhar compreensivo e amigo... Do seu pensar! Do seu sorriso que aliviava a minha dor... Que me dava forças para lutar contra a doença... E que estimulava a minha saúde e a minha crença... Sairei daqui para um ataúde? Preciso viver e ter saúde! Por favor me ajude!

Oh! Meu Deus, cuide do meu médico e de mim, caso contrário chegaremos ao fim... Porque da consulta só restou uma requisição digitada em um computador e o olhar vago e cansado do doutor!

Precisamos urgente dos nossos médicos amigos... A medicina agoniza... Ouço até os seus gemidos...

Por favor! Tragam de volta o meu doutor! Estamos todos doentes e sentindo dor!

E Peço: Para o ser humano, uma receita de amor e para o exercício da Medicina uma prescrição de "amor"!


- Por onde andará o meu Doutor?

(Tatiana Bruscky - Médica)

O beijo- Júlio Cortázar

"Toco a sua boca com um dedo, toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se, pela primeira vez, a sua boca entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar.

Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por mim para desenhá-la com minha mão em seu rosto, e que, por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõe-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um perfume antigo e um grande silêncio.

Então as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água."

Fonte: UOL.com -(Julio Cortázar)