sábado, 25 de setembro de 2010

" Estas Mãos Inquietas" Antonio Carlos Villaça

ESTAS MÃOS INQUIETAS…



Antonio Carlos Villaça

Servir foi teu destino.
Se descobres uma pequena mancha,
ou um botão ausente,
logo te levantas,
com tuas mãos inquietas,
disposta a servir.


Serviste longamente.
Teu destino foi servir.
Queres limpar os sapatos,
queres costurar as roupas,
queres lavar o que está sujo,
as meias,
os corações.


Caminhas pelo mundo como um anjo.
Nasceste para ajudar
Com que delicadeza,
com que pressa,
te levantas e te debruças,
ó infatigável enfermeira,
ó ser misericordioso e humilde.


És tão prestativa,
tão solícita,
tão serena em meio a todos os pesares,
tão fiel a ti mesma, a teu destino.


Tens o gosto do próximo,
do pobre,
do sofrimento que ninguém viu
e tu vês, tu descobres,
ó humana criatura.


Como um anjo serviste.
Insaciável, tu prossegues.
Tens a vocação do serviço –
- a pequena mancha,
o botão caído,
o sapato a engraxar ou a limpar,
a cotidiana tarefa, que ninguém percebe,
tu cumpres tudo isso,
como um ritual secreto,
que é a vida de tua vida,
a essência de ti mesma,
a verdade do teu destino,
leve,
gracioso,
………..verdade nítida.


.


(Poema inédito, 11-09-1968)
 
 
Fonte:http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=3813

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

" Você quer o que deseja"? Jorge Forbes

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" O cérebro e as novas subjetividades no mundo contemporâneo"


No desfile de carnaval de 2009, no Rio de Janeiro, a escola de samba Porto da Pedra trouxe uma inusitada comissão de frente: uma coreografia em que neurônios produziam sinapses na avenida.

Neurônios. Neurociência. Neurocultura. Neuroarte. O prefixo “neuro” parece se espalhar por todos os lados e lugares porque o cérebro, agora, é o órgão do corpo humano que se tornou o centro das atenções. Se, como detetives, nos propuséssemos a seguir os rastros e pistas da presença do cérebro no mundo contemporâneo, teríamos que circular para além da ciência: pela cultura pop dos desenhos animados, por filmes, peças de teatro, literatura, publicidade, programas de TV, revistas, jornais, internet.

Alguns especialistas, inclusive, já falam na constituição de um “sujeito cerebral” e de uma “neurocultura”. Da esquizofrenia à depressão, passando por doenças neurodegenerativas (que implicam na perda progressiva de neurônios) como Parkinson e Alzheimer; emoções, sensações e sentimentos como medo, ansiedade, paixão; comportamentos e diferenças sexuais; violência e criminalidade; e até mesmo a fé - tudo isso vem sendo relacionado ao funcionamento do cérebro.

Se para alguns as neurociências ajudam a desestigmatizar comportamentos e doenças, ao comprovar que elas são condições do cérebro, para outros, estaríamos diante do risco de um novo tipo de determinismo: o cerebral. O cérebro teria roubado o lugar do DNA enquanto a essência que nos definiria como seres humanos. Assim, compreender seu funcionamento implicaria em conhecer a nós mesmos.

São muitas as implicações em se considerar que os seres humanos são seus cérebros. Se a vida humana depende do funcionamento cerebral, questões complicadas como a origem e o fim da vida e polêmicas a ela relacionadas (como aborto e eutanásia) vêm à tona. “E diante da ausência de respostas, jogamos essas questões para os especialistas, como os bioéticos”, disse Benilton Bezerra Jr., ao discutir, no Café Filosófico da CPFL Cultura, as novas configurações da subjetivação nesse cenário, marcado pelo borramento de fronteiras entre mente e corpo, natural e artificial, vida e morte, normal e patológico.

Em vez de doença mental... Neurodiversidade

Dificuldades de comunicação. Isolamento. Silêncio. Imobilidade. Solidão. São muitas as palavras usadas para descrever a condição do autista. “A maior parte do tempo eu me sinto como um antropólogo em Marte”, disse Temple Grandim a Oliver Sachs, no conhecido livro em que também conta sobre a criação de uma máquina que lhe permite controlar a intensidade do abraço: ser abraçada costumava lhe provocar uma sensação opressiva por conta de sua sensibilidade ao toque.

Temple Grandin foi a principal inspiração para a peça Máquina de abraçar do dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra (montada recentemente no Brasil pela atriz e diretora Malu Galli). E também do filme produzido pela HBO que recebeu o maior número de Emmys de 2010, nessa premiação da televisão americana. Vivida pela atriz Claire Daines, “Temple Grandim” conta, em forma de biografia, sua trajetória enquanto engenheira e cientista especialista em comportamento animal.

Temple Grandim é uma das principais ativistas do chamado movimento da neurodiversidade. O termo foi criado pela socióloga australiana Judy Singer para propor uma nova – e polêmica – percepção das até então denominadas “doenças mentais”: elas agora devem ser tomadas enquanto conexões neurológicas atípicas (“neurodivergentes”) e assim, segundo o movimento, ser tratadas apenas como diferenças humanas, e não como patologias. Os protagonistas desse movimento político são os chamados autistas de alto desempenho, muitos deles portadores da síndrome de Asperger.

Se a neurodiversidade é uma doença, a “neurotipicidade” também o é, argumentam os adeptos do movimento, como se pode observar no irônico site do Institute for the Study of Neurologically Typical. Ao brincar com a idéia de se diagnosticar ou curar a normalidade, seu objetivo é contestar o argumento pró-cura presente em muitas associações (principalmente as de pais de filhos autistas e profissionais da área).

A origem e o fortalecimento do movimento estão relacionados a outros movimentos sociais. O feminismo foi importante para as mães questionarem o modelo psicanalítico, até então dominante, de explicação do autismo e que culpabiliza os pais pelo seu desenvolvimento. A criação de grupos de pais de autistas provocou uma diminuição da participação dos médicos como mediadores nas relações entre familiares, diminuição que também acabou estimulando a interação entre autistas. O crescimento de movimentos políticos de deficientes (especialmente, de surdos), incentivou a criação de uma “identidade autista”, característica do movimento.

A internet foi fundamental em todo esse processo, permitindo a comunicação direta entre autistas. Sites, blogs e chats são utilizados pelos Aspies para trocar experiências, fazer amizades ou até mesmo encontrar futuros cônjuges. Alguns ativistas chegam a defender a ideia de que o autismo é uma cultura, na medida em que se constitui como uma experiência singular, um jeito de ser e de estar no mundo. Não se trata, portanto, de “ter” autismo, mas de “ser” autista.

Essa ideia norteia o vídeo In my language, da ativista Amanda Baggs. A primeira parte é um registro de Baggs do modo específico com que os autistas interagem com o mundo; a segunda parte, uma tradução (através de um programa de computador) para os “neurotípicos”: “Só quando eu digito alguma coisa na sua linguagem é que você se refere a mim como tendo capacidade de comunicação”, diz Baggs. “Sinceramente, eu gostaria de saber como muitas pessoas, se me encontrassem na rua, iriam acreditar que escrevi tudo isso. A propósito, eu acho interessante que a minha falha no uso da sua língua seja considerada como um déficit, mas a sua falha em aprender a minha seja vista como uma coisa natural”.

A celebração do autismo como uma diferença é polêmica. A principal acusação feita ao movimento da neurodiversidade é a de que ele é formado apenas por autistas de alta performance ou portadores da síndrome de Asperger (como o pianista Glenn Gould, cuja história de vida se tornou mais conhecida através do filme Shine). Os portadores da síndrome são definidos, de modo geral, como pessoas muito inteligentes, com boa memória e que têm fixação por assuntos específicos. Essas características são acompanhadas pela dificuldade na expressão (e não ausência) de emoções e sentimentos, o que muitas vezes resulta em dificuldades de relacionamento social e isolamento. Ou seja, os portadores da síndrome de Asperger correspondem ao estereótipo da genialidade. Não é à toa que o transtorno é comumente chamado de “síndrome do gênio”.

O escritor inglês Nick Hornby revela desconforto com essa imagem estereotipada em algumas resenhas literárias que escreveu (e que estão reunidas no livro Frenesi Polissilábico). Hornby tem um filho autista e, por isso, recebe muitos livros sobre o assunto. Confessa que raramente se interessa por eles já que as editoras gostam somente das histórias dos autistas com talentos especiais – estilo Rain Man.

A exceção destacada por Hornby seria o livro George and Sam – Autism in the Family, de Charlotte Moore. Mãe de três filhos – dois deles autistas – ela narra com extremo bom humor seu cotidiano com as crianças, marcado por suas “obsessões”. George, por exemplo, tenta convencer a todos de que ele não precisa se alimentar. Por isso só come quando ninguém está olhando, e sua mãe, todos os dias, tem que esconder seu lanche da escola nas roupas de natação.

Episódios que nem um escritor de ficção seria capaz de inventar e que se tornariam, nas palavras de Hornby, “charmosos em sua estranheza” e com os quais pais de filhos autistas estariam acostumados a lidar. “Não quero dar a impressão de que viver com um filho autista é sempre divertido. Se o seu filho for do tipo bem comum, eu não aconselharia, de jeito nenhum, que o trocasse (a maioria dos casos de autismo ocorre entre meninos) por uma criança com uma obsessão hilária. Espero nem precisar acrescentar aqui que tem umas coisas que... bem, para não entrar em detalhes, não são nada hilárias. Estou simplesmente colocando, como Moore, que se você tiver interesse ainda que remoto pela esquisitice, variedade e beleza da humanidade, então o autismo traz muito a se admirar”.

Esse humor sugere um tipo de aceitação do autismo talvez um pouco diferente da postura dos pais que se empenham em buscar a cura para seus filhos. A cura talvez seja o elemento mais controverso e que separa o movimento da neurodiversidade das associações de pais. Fernando Ortega, professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, destaca, num artigo sobre o assunto, a divisão existente entre as associações pró-cura do autismo e os ativistas autistas: entre os que o consideram um transtorno cerebral e aqueles que o defendem como um jeito diferente de ser; entre os que o definem como uma doença e os que o tomam como uma diferença; entre os que não o reconhecem como uma possível identidade e os que falam num “ser autista”.

Para os ativistas do movimento da neurodiversidade, o autismo não é uma doença mental, mas um transtorno cerebral. No movimento pró-cura também prevalecem as explicações orgânicas, cerebrais, em detrimento da psicanálise e da psicologia. Ou seja, apesar de suas divergências, os dois grupos compartilham, segundo Ortega, um cerebralismo e fisicalismo na explicação das causas do autismo, em detrimento das explicações psicanalíticas, mais “mentais”. O entendimento desses movimentos passaria, assim, por uma reflexão sobre a importância que as neurociências adquiriram no mundo hoje.

O self e o cérebro

O movimento da neurodiversidade pode ser descrito como uma forma de “biossociabilidade”, termo criado pelo antropólogo Paul Rabinow a partir do movimento político que reuniu, à época do Projeto Genoma Humano, pacientes e familiares de portadores de distrofia muscular e cientistas na França, nos anos 1990.

Para ele, uma marca da contemporaneidade seria a criação de grupos de interesse não mais pautados unicamente por critérios como idade, classe, “raça” ou posição social, mas também – ou cada vez mais – a partir de elementos envolvendo concepções de saúde e doenças específicas. “O que cabe ressaltar, todavia, é que, cada vez mais, novas formas de organização coletiva têm surgido, conjugando diferentes atores, interesses, temporalidades, ou mesmo espacialidades, dentro de um novo modo de existência em que a vida se encontra no centro de nossas preocupações”, escreve o antropólogo em French DNA: Trouble in Purgatory (1999).

Juntamente com essa nova configuração da sociabilidade, estaríamos também diante da criação de novos modos de subjetivação marcados, principalmente, pelo predomínio do corpo percebido como organismo, em detrimento de um “eu” percebido como interioridade, o que tem levado muitos especialistas, como Rossano Lima Cabral, a falar em bioidentidades.

A neurociência seria mais um indício da prevalência desse fisicalismo no mundo contemporâneo. O antropólogo Rogério Azize lembra que, na relação entre mente e cérebro, estaríamos diante de uma nova hierarquia: a mente seria tomada como uma espécie de epifenômeno do cérebro. Não se trataria do fim do dualismo corpo/mente, característico da modernidade e da cultura ocidental, pelo menos desde Descartes... Mas da submissão da mente ao físico, ao orgânico, ao corpo: ao cérebro. Essa concepção materialista da mente – característica da neurociência – concorre, hoje, principalmente, com a psicanálise.


Psicanálise e neurociências: mente versus cérebro?

“Não existe embate entre neurociência e psicanálise. São dois mundos à parte, totalmente paralelos. A psicanálise não depende de neurociência e vice-versa. São dois sistemas que tem vida própria. O que a gente vê hoje são psicanalistas que têm um interesse, perfeitamente razoável e compreensível, de buscar na neurociência conhecer as bases, fundamentos para as ideias que Freud defendia. O mais importante de tudo é que Freud não era neurocientista – nem poderia ser, porque não existia neurociência na época –, ele propôs o que podia propor baseado em observação de comportamento”, lembra Suzana Herculano-Houzel, neurocientista do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.

Há também neurocientistas investindo em pesquisas para comprovar – pela neurociência – algumas teses da psicanálise, principalmente através do uso de tecnologias de visualização do cérebro, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada A aposta – diante da histórica polêmica sobre a cientificidade da psicanálise – é que Freud tecia teorias corretas; seu problema seria a ausência de tecnologia para comprová-las cientificamente.

O trabalho de Sidarta Ribeiro, neurocientista do Instituto de Neurociências de Natal, segue nessa direção. Através de ressonância magnética, Sidarta observou que a repressão de memórias indesejáveis – o chamado recalque – acontece com a desativação intencional de regiões cerebrais ligadas às emoções e à memória. E pacientes com lesões nos circuitos neurais movidos pela dopamina – um neurotransmissor ligado ao prazer e à frustração – tem sono profundo (REM) sem sonhar, o que sugeriria que Freud estava certo ao ver no desejo aquilo que ativa o sonho.

A partir desse cenário poderíamos falar num determinismo cerebral? “Não há risco nenhum de determinismo, desde que se reconheça que a influência social do comportamento é real e se dá justamente porque o cérebro é capaz de mudar conforme a vida da gente, conforme a educação, os valores, o aprendizado”, afirma Suzana Herculano-Houzel. Ela é enfática: “A base que precisa ser reconhecida sem medos é que o que a gente faz depende do que o cérebro da gente é e de como ele funciona. Não tem escapatória. Isso não quer dizer de forma alguma que nós somos apenas o resultado dos nossos genes; a gente é biologia, o que a gente pensa, o que a gente faz, o que a gente é, mas não genética apenas. É uma conjunção de vários fatores, fatores sociais e individuais mesmo, justamente porque eles são capazes de modificar o cérebro da gente”.

Mas isso quer dizer, então, que o cérebro é a nossa essência? É o que nos define enquanto seres humanos? “Essa é hipótese de trabalho mais fundamental da neurociência. O que a gente faz, o que a gente pensa, o que a gente é, o que a gente sente é como é porque temos um cérebro do jeito que temos”, diz Suzana. Seu trabalho na área de divulgação científica é tido como referência para um novo formato na abordagem das neurociências: atividades e comportamentos da vida cotidiana sendo explicados a partir do funcionamento do cérebro.

A proposta de seu site O Cérebro nosso de cada dia é mostrar como os conhecimentos das neurociências podem ser aplicados no dia-a-dia: há sugestões de exercícios para o cérebro – para combater o stress ou incrementar a memória; seus livros – como Fique de bem com seu cérebro – também trazem dicas ou passos para se ter uma vida mais saudável.

O trabalho de divulgação científica de Suzana já foi questionado pela sua aproximação com a auto-ajuda. “Para mim, a razão de ser da divulgação científica é que as pessoas possam usar, para si, as descobertas da ciência. O que gente descobre não é domínio e exclusividade do laboratório. As descobertas da ciência pertencem à humanidade e nada melhor do que as pessoas, inclusive, poderem usar essas informações para terem uma vida melhor, para o seu desenvolvimento pessoal. Então se o que faço é auto-ajuda, acho isso maravilhoso porque é o que a auto-ajuda deveria ser, que é justamente a oferta de informações – e se elas são científicas tanto melhor porque vem de fonte segura ou pelo menos estudada, investigada de várias formas, e se elas ficam disponíveis para as pessoas usarem nas suas vidas, se entenderem melhor, terem uma vida melhor”, diz Suzana.


O poder e a vida

Mas o que seria uma vida melhor? Uma vida com qualidade, quando se fala tanto em “qualidade de vida”? Uma vida digna? Como definir o que é uma vida digna de ser vivida?

O avanço das novas tecnologias reprodutivas e dos testes pré-natais colocam a possibilidade de se “selecionar” os filhos que se quer ter, escolha que pode se aproximar, perigosamente, da eugenia. Debates sobre a descriminalização do aborto, eutanásia, uso de células-tronco, morte cerebral. Esse conjunto de indagações – e suas sérias implicações morais, filosóficas, sociais, políticas – nos conduzem para a grande questão sobre a qual boa parte dos filósofos do século XX (e, agora, do XXI), tem se ocupado: a relação entre a vida e o poder.

Uma figura intermediária entre a vida e a morte: o sobrevivente. O poder, hoje, produziria sobreviventes: seres humanos reduzidos à uma sobrevida meramente biológica. Essa é a tese de Giorgio Agamben, filósofo italiano que tem se debruçado sobre a configuração desse biopoder contemporâneo e, assim, atualizado o trabalho de Michel Foucault.

Foi Foucault quem cunhou o termo biopoder, para se referir aos mecanismos de gestão da vida. O poder soberano dispunha da vida de seus súditos, cabendo a ele tanto a prerrogativa de matar aqueles que o ameaçassem, quanto a decisão sobre quais deixar viver. A biopolítica, por sua vez, quer otimizar a vida: quer fazer viver, cuidar da “população”, da “espécie”, da vida em sua dimensão biológica, principalmente.

Para Agamben, o biopoder, hoje, não quer nem fazer viver, nem morrer, mas sobreviver. A sobrevida seria, assim, a vida reduzida ao corpo orgânico, despida de tudo: vida nua. Bioidentidade que reduz a subjetividade ao corpo e nos coloca diante de uma nova ascese: a imposição da adequação do corpo aos modelos de saúde, longevidade, equilíbrio, beleza, boa forma e juventude veiculados pelo mercado, pelo Estado, pela ciência, pela mídia.

Estaríamos valorizando uma vida nua (zoé) em detrimento de uma vida qualificada (bios), distinção de Agamben que nos fazem lembrar de Walter Benjamim e suas noções de vivência e de experiência: a necessidade de investir as vivências cotidianas de sentido, de narrá-las para si mesmo e para os outros, produzir significações e ressignificações sobre o que vivemos ao longo do tempo. Perceber a vida de uma outra forma, num outro tempo que não seja o da pura aceleração. Ou que não seja, meramente, a busca da sobrevivência. O desafio dessa transformação é o que está em jogo hoje.

Joel Birman, psiquiatra e psicanalista, afirma, em Arquivos do mal-estar e da resistência (2006) que o mal-estar na atualidade aparece nas três categorias recorrentes nos relatos clínicos colhidos pelos psicanalistas: corpo, ação e sentimento. As ausências sentidas seriam, justamente, a linguagem e o pensamento, necessárias para se produzir sentidos sobre a vida.

Nesse contexto, não conseguimos mais, por exemplo, transformar a dor em sofrimento: a dor se torna uma experiência em que o sujeito se fecha sobre si mesmo e se restringe a murmúrios e lamentações.

“Em contrapartida, o sofrimento é uma experiência alteritária. O outro está sempre presente para a subjetividade sofrente, que se dirige a ele com o seu apelo. Daí sua dimensão de alteridade, na qual se inscreve a interlocução na experiência do sofrimento. Isso porque a subjetividade reconhece aqui que não é auto-suficiente, como na dor”, escreve o autor.

A saída mais fácil nesse contexto, segundo Birman, tem sido a medicalização. “Por mais que a psiquiatria biológica prometa o controle das intensidades e dos desejos, esse controle provoca efeitos paradoxais tais como o comprometimento da subjetividade. O que essa psiquiatria faz é gerar autômatos produtivos e rastejantes”, afirmou Birman durante o Café Filosófico em que discutiu as novas formas de subjetivação na atualidade.

Fonte: CPFL

" A publicidade e o consumo infantil"- Clóvis de Barros Filho




A oportunidade de poder falar de um tema tão delicado me é muito cara. A questão da publicidade voltada ao público infantil e do consumo dessa faixa etária é uma preocupação pessoal de longa data. Bastante reforçada, reconheço, pela existência que tanto me orgulha de minha filha, hoje com seis anos. O que preocupa a mim, e acredito ser o mesmo motivo que preocupa os outros pais, é ver minha filha completamente imersa em um mundo fantástico de possibilidades de consumo que lhe é apresentado como maravilhoso. Desde sempre, encontramos no discurso do marketing a grande missão de encontrar e satisfazer as necessidades das pessoas. Trabalho benevolente, salvador. O que seria de nós sem essas sedutoras soluções? Então, cabe a pergunta: quais as necessidades das crianças? Diversão? Fantasia? Certamente. Educação? Amor? Saúde? Sem dúvida. E mais tantas outras que não poderíamos citar sem deixar este artigo longo demais. Mas, será mesmo que são essas as necessidades que impulsionam a gigantesca e bilionária indústria (US$ ou R$ 130bi/ano no Brasil) que tanto preza nossas crianças? 80% da publicidade de alimentos voltada às crianças é de produtos com alto teor de gordura, muito calóricos, pobres em nutrientes. Temos aí um forte indício de que não são estes, acima, os principais fatores motivadores da atuação da indústria no mundo infantil.

A necessidade de acumulação de capital constante fez com que as empresas subitamente tivessem que diversificar seus clientes. Lembremos, por exemplo, o recente lançamento de uma empresa de cosméticos de um creme anti-rugas para pessoas de 25 anos. O mesmo é válido para crianças. As empresas, em sua fúria pelo lucro cada vez mais ampliado, viram nesse público uma grande oportunidade. Necessidade do lucro. Irrefreável. O único motor das empresas. O único fator capaz de movimentá-las em um sentido, e de parar qualquer atividade, se não acontecer. Mas a pergunta que fica no ar é: como ela faz isso? Pela publicidade, que deixou há muito tempo de ter um discurso objetivo. Deixou de tentar convencer. Não estimula mais o logos, a razão. Passou a seduzir. Mexer com as emoções mais primárias. Quanto menos palavras, melhor.

Mas, a publicidade seduz para quê? Por que invocar e estimular as mais primitivas estruturas do inconsciente? Por um simples motivo: é ali que se encontra a maior fragilidade da nossa psique. É por esse caminho que se consegue uma compra por impulso, sem passar pelo crivo da razão, que certamente imporia barreiras lógicas difíceis de serem transpostas por um discurso que pretende criar uma realidade alternativa, melhor forma de vender um produto. Conheço uma excelente psiquiatra que conseguiu reduzir a compulsão de uma de suas pacientes pedindo que realizasse o simples gesto de dar uma volta no andar do shopping antes de comprar qualquer coisa. A conta do cartão de crédito que chegava ao salário de um juiz diminuiu 75%. Perceba que ali não havia uma decisão racional de compra, mas sim o impulso, o desejo, ambos vindos do inconsciente.

O jogo de sedução

Mas, voltemos às crianças. Como dito, a publicidade explora aquilo que de mais frágil há em nós. Por quê, então, tamanho interesse no mundo infantil? Já podemos supor que haja nas crianças uma fragilidade ainda maior, em relação ao mundo adulto. Mas pondero que a fragilidade não é só das crianças. Brevemente, informando que 80% das compras domésticas passam diretamente pela vontade da criança, pondero que há nos pais também grande fragilidade. De contato com as crianças, de conhecimento sobre o que se passa no mundo infantil, de autoridade. Houve uma completa inversão de posições. Quem manda são os pequenos. Está nessas fragilidades o principal interesse das corporações. Seduzindo as crianças há uma enorme possibilidade de “reter na fonte” o salário dos pais. Há muito menos barreiras. Tanto na própria psique infantil quanto na relação destas com os pais.

Vimos anteriormente que a publicidade seduz, explora os mais primários desejos de nosso inconsciente. Mas, se for assim, por que nas crianças haveria maior vulnerabilidade? As crianças não dispõem do leque de possibilidades existenciais que os adultos dispõem. Para elas, é muito mais difícil visualizar o rol de possibilidades que estão à sua escolha, e acaba refém daquela que se apresenta no seu dia-a-dia e no cotidiano de seus colegas, justamente através do discurso publicitário. As necessidades grandemente exploradas no mundo infantil são a do pertencimento e da identidade. Ambas fundantes da vida em sociedade. Pois não há sociedade sem união de pessoas em grupos e não há sociedade em que não seja possível reconhecer-se como indivíduo perante o outro.

A publicidade busca, a todo momento, estimular essas duas necessidades. Consumindo, a criança será aceita como consumidora, consumindo, será aceita no grupo de consumidores daquele produto, será afastada dos não-consumidores daquele mesmo produto, e, portanto, terá uma existência social alegradora. Critérios que antes eram uma certa habilidade no jogo de queimada, uma certa capacidade de contar piadas, entre tantas outras, hoje são voltados quase que exclusivamente para o mundo do consumo.

Vejamos os celulares, por exemplo. O celular com mp3 insere a criança num universo, o que tem câmera, em outro, o que tem Bluetooth, em um terceiro. O que tem o celular com todas as funções ao mesmo tempo consegue um destaque no mundo infantil, adquire para si as características positivas atribuídas ao produto. Apropria-se do status social do produto.

A publicidade estimula as crianças a estabelecerem critérios de seleção dos membros de seus grupos através do consumo, assim como estimula as próprias crianças a projetarem nos produtos aquelas características que desejariam para si mesmas, a inserção em um grupo social, a diferenciação social dentro desse grupo e entre outros grupos, o glamour, e por aí vai. Um exemplo fácil de entender é a relação das crianças com a boneca. Antes, brincar de boneca era um ato maternal. A criança era a mãe da boneca. Hoje, a boneca é uma projeção daquilo que a criança deseja. A criança não mais é a mãe da boneca, é a própria boneca.

Assim, a publicidade está no centro do comportamento infantil, levando as crianças para onde quer, a partir de suas necessidades de pertencimento e identidade, explorando sua fragilidade psíquica e os fracos laços que as ligam aos pais. Esta é uma questão que, certamente, merece muita atenção e discussão por todos que prezem minimamente pela vida das próximas gerações.

Fontes consultadas: Instituto Alana, Anvisa, revista Exame

Clóvis de Barros Filho é graduado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e em jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero, é mestre em science politique pela Université de Paris III e doutor em ciências da comunicação. Obteve a livre-docência pela Escola de Comunicações e Artes da USP e atualmente é professor de ética da USP.


(foto: Heitor Shimizu)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

" Ética para meu filho"- Fernando Savater

"Robinson Crusoé passeia por uma das praias da ilha onde o confinaram uma inoportuna tempestade seguida de naufrágio. Leva seu papagaio ao ombro e protege-se do sol graças à sombrinha fabricada com folhas de palmeira, que o faz sentir orgulho, com razão, de sua habilidade. Ele acha que, em vista das circunstâncias, até que não se arranjou mal. Agora tem um refúgio para se proteger contra as inclemências do tempo e os ataques dos animais selvagens, sabe onde conseguir alimento e bebida, tem roupas para se abrigar, que ele mesmo fez com elementos naturais da ilha, os dóceis serviços de um pequeno rebanho de cabras, etc. Enfim, acha que sabe arranjar-se para levar mais ou menos sua vida de náufrago solitário. Robinson continua passeando, e está contente consigo mesmo, que por um momento parece não sentir falta de nada. De repente, detém-se com um sobressalto. Ali, na areia branca, desenha-se uma marca que vai revolucionar toda a sua pacífica existência: a pegada humana.


De quem será? Amigo ou inimigo? Talvez um inimigo que possa se tornar amigo? Homem ou mulher? Como se entenderá com ele, ou ela? Como irá tratá-lo? Robinson já estava acostumado a se fazer perguntas desde que chegou à ilha e a resolver problemas do modo mais engenhoso possível: o que vou comer? Onde vou me abrigar? Como posso proteger-me do sol? Mas agora a situação não é a mesma, pois não se ttrata de acontecimentos naturais, como a fome ou a chuva, nem de animais selvagens, mas com um outro ser humano, ou seja, com outro Robinson ou com outros Robinsons e Robinsonas. Diante dos elementos ou dos animais, Robinson pôde comportar-se sem atender a nada além de sua necessidade de sobrevivência, Tratava-se de ver se podia com eles ou se eles podiam com ele, sem mais complicações. Mas diante de seres humanos a coisa já não é tão simples. Ele deve sobreviver, sem dúvida, mas não de qualquer modo. Se Robinson transformou-se num animal como os outros que perambulam pela selva, por causa de sua solidão e sua desventura, sua única preocupação será saber se o desconhecido dono da pegada é um inimigo a ser eliminado ou uma presa a ser devorada. Mas se quer continuar sendo homem... Então já não estará lidando com uma presa ou um simples inimigo, mas com um rival ou um possível companheiro: de todo o modo, com um semelhante.


Enquanto está só, Robinson enfrenta questões técnicas, mecânicas, higiénicas, inclusive científicas, se é que você me entende. A questão é salvar a vida num meio hostil e desconhecido. Mas quando ele encontra a pegada de Sexta-Feira na areia da praia começam seus problemas éticos. Já não se trata apenas de sobreviver; como um animal selvagem ou uma alcachofra, perdido na natureza; agora precisa começar a viver humanamente, ou seja, com outros ou contra outros homens, mas entre homens. O que faz a vida ser “humana” é o transcorrer em companhia de seres humanos, falando com eles, pactuando e mentindo, sendo respeitado ou traído, amando, fazendo projetos e recordando o passado, desafiando-se, organizando juntos as coisas comuns, jogando, trocando símbolos... A ética não se ocupa em saber como se alimentar melhor, qual a maneira mais recomendável de se proteger do frio ou o que fazer para atravessar um rio sem se afogar, todas questões muito importantes, sem dúvida, para a sobrevivência em determinadas circunstâncias; o que interessa à ética, o que constitui sua especialidade, é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre seres humanos. Se não soubermos como nos arranjar para sobreviver em meio de perigos naturais, perderemos a vida, o que sem dúvida será um grande dano; mas, se não tivermos nem idéia de ética, perderemos ou prejudicaremos o humano de nossa vida, o que, francamente, também não tem graça nenhuma."

Em resposta, postei:

Esse texto é instigante! Estou com fome, não sei se paro ou continuo. Qual será a minha maior demanda? Saciar a fome ou saciar o desejo de compartilhar ideias.


Esse texto me faz refletir: o que eu sou, o como sou e o que serei no futuro.

Creio que na infância construímos o que somos. Quase todas as questões de conflitos que temos na vida adulta, tiveram sua origem na infância. E quando não as superamos, elas aparecem como um vulcão na vida adulta.

E o que nos torna humanizados? Creio que boa parte dessa pergunta poderia ser respondida pelas questões éticas, que no decorrer da vida fomos construindo. Creio que o ser humanizado se constrói, no processo desenvolvido sobre sua concepção de vida, seja através dos modelos que tivemos, seja porque refletimos sobre as nossas atitudes e/ou pela culpa. Claro que tudo tem o seu preço. O caminho que irei percorrer será as escolhas que fiz.

Mas... Como tudo que se relaciona a mim e ao outro, nada é tão fácil. Os desafios são imensos, o individualismo sempre surge, os imprevistos de algum julgamento apressado também aparecem e como somos humanos erramos e acertamos.

Assim, se surge o erro e eu o reconheço, eu o acolho, para logo em seguida compreender o que devo fazer para não cometê-lo de novo. Creio que esse é um dos passos a ser seguido, rumo a minha humanização. Mas, será se basta? Creio que não.

O que me fortalece é a organização que faço dentro do meu ser. É a responsabilidade de refletir sempre, de meditar e se perguntar: Por que aquela pessoa é uma ameaça? O que posso fazer para mudar esta situação? Assim, mais um passo e esse bem mais profundo, pois me conduz ao enfrentamento, ao meu universo interior, me conduzindo ao autoconhecimento.

A estrada é longa e sempre te guiará e lhe mostrará uma saída. Não tenha medo! O medo nos imobiliza, nos torna desumanos e menos satisfeitos com o que somos. Eu só ambiciono aquilo que não tenho.

O outro passo, também complementar a este, é você olhar o outro com humildade e se reconhecer no outro. Não existe nada que eu não possa aprender com o outro. Assim, somos ensinantes e aprendentes. Você deixa de ser apenas um elemento de uma espécie e se reconhece, fazendo parte de um universo, muito maior do que o seu individualismo.

Assim cresço me construo e me valorizo como ser eterno. Sou único, indivisível e possuo uma gama de conhecimentos que construí, portanto, que necessita existir, por você e pelo outro. É na diferença que nos tornamos iguais em sua essência.

Essa dimensão me transcende, me leva a questionar a hierarquia como formalmente a conhecemos. Leva-me a questionar porque tenho q ser igual aos demais. Leva-me a ser eu, apesar da diferença na cultura, na filosofia de vida e da religião.

O que somos, é a projeção daquilo que pensamos que somos, mas não me reconheço sendo.

Bom fim de semana!

Natalícia

domingo, 19 de setembro de 2010

Grupo de Estudos Educar na Cultura Digital

Na próxima quarta-feira, dia 22/09, das 16h às 17h, estreia a TV Web do Grupo de Estudos Online Educar na Cultura Digital.


No primeiro programa, será apresentada a proposta desse novo ambiente de formação, disponível há um mês, que já reúne mais de 600 educadores e pessoas interessadas em refletir sobre a educação e a cultura digital.

A transmissão será ao vivo por meio da TV Web da Editora Moderna, e haverá também links nas homepages do Portal EducaRede (www.educarede.org.br) e do site do Grupo de Estudos online (www.educarnaculturadigital.org.br) para os internautas assistirem ao vídeo.

Nesse primeiro programa, as mediadoras do Grupo de Estudos - Priscila Gonsales, Mílada Gonçalves e Sonia Bertocchi - vão explicar a metodologia, os módulos temáticos, os espaços de interação, as atividades e demais recursos do ambiente.

Além disso, farão um balanço informal do primeiro mês de funcionamento do grupo. Os internautas poderão participar, enviando mensagens por uma ferramenta de chat da própria TV Web ou pelo Twitter (www.twitter.com/educultdigital), que serão respondidas e comentadas pelas mediadoras durante o programa.

"O Grupo está superando as nossas expectativas, não tanto pela grande quantidade de inscritos, mas principalmente pelo entendimento de todos sobre a proposta de colaboração e de mediação coletiva", conta Priscila Gonsales, enfatizando a excelente qualidade das interações.

Há participantes de várias regiões do país e com diferentes perfis, como professores, diretores, estudantes de Pedagogia e pesquisadores de universidade.

A programação da TV Web do Grupo de Estudos Online Educar na Cultura Digital será quinzenal, sempre às quartas, das 16h às 17h, e ocorrerá até o final do ano.

Cada programa abordará uma temática específica, tais como "Games nas Educação" e "Redes Sociais na Educação", e serão convidados especialistas nos assuntos. Acompanhe as datas dos próximos programas no site.



Saiba tudo sobre o Grupo de Estudos Educar na Cultura Digital, aqui:www.educarnaculturadigital.org.br