sexta-feira, 28 de maio de 2010

" A coragem do amor que dura"- Contardo Calligaris



Li este texto agora, após de ter escrito “ Quem gosta de perder” e me senti completa. Completa na essência do mesmo, das palavras escritas com maestria de quem conhece e fala do amor com propriedade.
Por isso, resolvi postá-lo na intenção de juntos refletirmos sobre o AMOR.

A coragem do amor que dura

Prolongando minhas observações da semana passada sobre "Quincas Berro d'Água", vários leitores e leitoras observaram que a literatura e o cinema, em geral, glorificam a coragem de quem, um belo dia, chuta o balde e vai embora.

E como ficam os que passam a vida inteira deslocando o balde para estancar as goteiras? Será que eles são todos covardes e acomodados?

É inegável: nossa cultura idealiza a ruptura, a aventura, a saída para o mar aberto. Em matéria amorosa, o momento que preferimos contar é a hora do apaixonamento.

Depois disso, gostamos de imaginar que "eles viveram felizes para sempre", mas sem entrar em detalhes que poderiam transformar a história numa farsa.

Uma boa solução, aliás, é que os amantes morram logo. O sumiço (de ambos ou de um dos dois) evita que a comédia da vida que levariam juntos contamine a apoteose do encontro inicial. Os amantes ideais são os que não duraram no tempo: Romeu e Julieta, o jovem Werther e Charlotte, Tristão e Isolda.

Concluir o quê? Que a coragem é sempre a de quem deixa a mornidão de seu conforto para se queimar num instante de paixão? Será que não pode haver coragem nos esforços para que o amor dure?

É óbvio que a duração não é um valor em si: uma relação pode durar a vida inteira e ser uma longa e insulsa experiência repetitiva, sem amor algum. Mas, inversamente, será que as paixões-relâmpago são amores? Enfim, seria útil dispor de uma definição do amor.

Justamente, li nestes dias um livro que me tocou, "Éloge de l'Amour" (elogio do amor, Flammarion 2009, ainda não traduzido para o português), de Alain Badiou; é a transcrição de uma breve entrevista do filósofo francês.

Nela, inevitavelmente, Badiou constata que, em nossa cultura, a visão dominante do amor é a de uma espécie de "heroísmo da fusão" dos amantes, que, uma vez consumidos por sua paixão, podem sair de cena (para não se tornar ridículos) ou sair do mundo e morrer (para se tornar sublimes).

Contra essa visão, Badiou define o amor mais como um percurso do que como um acontecimento: segundo ele, o amor precisa durar um tempo porque é "uma construção".

Confesso que fiquei com medo de que o filósofo nos propusesse amores tagarelas, em que os amantes não parariam de discutir a relação (claro, para construí-la). Por sorte, não se trata disso. Então, o que constroem os amantes?

Geralmente, explica Badiou, minha experiência do mundo é organizada por minha vontade de sobreviver e por meu interesse particular: vejo o mundo só de minha janela.

Certo, ao redor de mim, há muitos outros de quem gosto e aos quais reconheço o direito de também sobreviver e promover seus interesses.

Mas o fato de eu respeitar esses meus semelhantes não muda em nada meu ângulo de visão. É só quando amo que consigo olhar, ao mesmo tempo, por duas janelas que não se confundem, a minha e a de meu amado. A estranha experiência ótica faz com que os amantes reconstruam o mundo, enxergando coisas que ficam escondidas para quem só sabe olhar por uma janela.

Entende-se que o amor assim definido exija tempo. Quanto tempo? Um mês, um ano, uma vida, tanto faz. Consumir-se na paixão pode ser rápido, mas reinventar o mundo a dois é uma tarefa de fôlego.

O amor segundo Badiou, em suma, é uma aventura, mas que precisa ser obstinada: "Abandonar a empreitada ao primeiro obstáculo, à primeira divergência séria ou aos primeiros problemas é uma desfiguração do amor. Um amor verdadeiro é o que triunfa duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem".

Você aprecia a definição, mas a acha um pouco abstrata? Gostaria da história de um amor que dura e se obstina sem se tornar pesadelo ou farsa? Pois bem, acabo de ler um texto comovedor, bonito e capaz de ilustrar e explicar perfeitamente as palavras de Badiou.

Em "Amar o Que É: Um Casamento Transformado" (Objetiva), Alix Kates Shulman conta como ela e Scott, o marido, reinventaram o mundo, a dois, obstinadamente, depois de um acidente que precipitou Scott numa forma de demência.

Há momentos difíceis, sacrifícios e durezas, mas, curiosamente, o relato não chega nunca a ser triste porque se trata de uma extraordinária história de amor.

Fonte: http://contardocalligaris.blogspot.

Quem gosta de perder?




Acabei de ler um poema. Este trata da perda material. Não me espanto diante de tal perda, afinal nesse mundo que vivemos, correndo de um lado para o outro, a perda já se tornou habitual.

Entretanto, existem perdas que deveriam ficar só na lembrança. Trata-se da perda de si mesmo, da consciência que devemos ter da nossa responsabilidade, diante dos nossos projetos de vida.

As pessoas passam em nossas vidas e pouco fazemos para compreendê-las, para ouvi-las e satisfazê-las. Enquanto a amamos parece-nos mais fácil sermos comprometidos com as nossas reais intenções. Mas... A vida se encarrega de mostrar-nos que o verdadeiro amor, vem da amizade. Não existe amor mais leal, que o amor com amizade.

Acredito que nem o amor de mãe, que construímos durante a vida toda, se não houver amor com responsabilidade, com cumplicidade, lealdade e amizade, não condiz ao que chamo de amor verdadeiro.

Aliás, só a palavra verdadeira, por si só demonstra uma sincronia entre o que seja significativo e efêmero. E verdadeiro é o amor com raízes, que carregamos a vida inteira. É aquele que trazemos os entes amados no coração.

Somos especiais para algumas pessoas, outras apenas nos tornamos referências e outras somos uma estrada da qual só a percorremos quando nos são úteis.

Transitamos o dia inteiro entre diferentes fronteiras, algumas bem definidas e algumas são separadas por uma linha muito tênue e assim sendo, não nos damos conta de registrar tudo o que acontece em nossas vidas.

Acredito que o papel da lembrança é este, filtrar o que nos comove, o que nos tira do sério, o que nos faz sentir vivas. A sensação indescritível de um belo campo bem verdinho, de uma praia bem azulzinha e um lindo por do sol. Três momentos de linda consciência que o pouco vale por muito.

Temos os mais variados sonhos. Eu já tive alguns. Alguns difíceis de serem realizados e outros nem tanto. Um dos mais fáceis é conhecer uma fábrica de chocolate. E para em outro momento finalizar, tomando um banho num grande tacho de chocolate. Não sei por que essa imagem me encanta. Acredito que seja o cheiro que o chocolate exala, o seu sabor e até o meu desprendimento nesse momento sensual.

Existem também sonhos inconfessáveis, me refiro daqueles que não encontramos palavras para defini-los, talvez pela sua própria falta de definição.
Somos assim, complexos, indefinidos quando falamos de sentimentos, principalmente envolvendo amor entre pessoas de outro gênero.

Às vezes nos sentimos tão desprotegidos que confundimos os amores que se revelam diante de nós. Amor este que só é significativo quando conseguimos ler um bom livro e lembrarmos-nos dele, quando viajamos e desejamos saúde e quando o coração bate forte ao toque de um telefonema.

E o que nos faz nos perdermos? Acredito que o excesso de autoconfiança ou a descrença da mesma. Como é sutil esse limiar de intenções! Entretanto, os poemas nos trazem de volta a vida, com referências de diferentes estilos de vida, para logo depois lembrarmos que cuidar-se não é uma tarefa fácil. Exige uma dose de tolerância, paciência e compreensão com o que somos.

Não é à toa que o homem criou o espelho, com a intenção de se olhar e de se admirar. Dele tiramos o que há de secreto, de forma a revelarmos em uma das estações do ano. E assim, concluir que ninguém é mais importante do que você mesma.

Natalicia Alfradique

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Biblioteca de São Paulo

Vi este vídeo e fiquei encantada. Mesmo não conhecendo esta biblioteca, fiquei com uma pontinha de ciúme, afinal na minha cidade não temos uma biblioteca decente e nenhuma livraria. Quando necessito de livros, tenho que ir até a Niterói ou encomendá-los por alguém.

Este vídeo recordou-me dos dias de leitura quando frequentei a escola infantil. A sensação e o prazer de ver, ouvir, ler e até encenar uma história, tornou-se real para mim nesse momento. Nada como boas recordações para alegrar os nossos dias!

Boa tarde!

natalícia

terça-feira, 25 de maio de 2010

“ Internet, via de escape e de educação”



Gaza, 21/5/2010 – "Aprendi pela Internet a maior parte do que sei sobre edição de fotos e desenho gráfico", disse Emad, um cineasta palestino de 27 anos. Isto se tornou habitual em Gaza. "Este programa de edição de vídeo não está disponível aqui", explicou, sorrindo vitorioso enquanto terminava de baixar sua última versão. "E, mesmo se houvesse, eu não poderia pagar US$ 600 por ele, nem mesmo trabalhando durante dois meses. Mas preciso dele para meu trabalho, por isso busquei uma versão gratuita na Internet", explicou.

Isolados por um sítio que Israel impôs a Gaza pouco depois que o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) venceu as eleições de 2006, e que se intensificou em meados de 2007, os palestinos da Faixa de Gaza sofrem os efeitos desta alienação em todos os aspectos de suas vidas. A economia ficou devastada, tanto pelo prolongado sítio, quanto pela guerra que, entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009, Israel levou a cabo contra a região, após a qual o desemprego chegou a cerca de 60%.

Além de negar aos moradores de Gaza uma grande quantidade dos elementos mais básicos de uso cotidiano – como materiais vitais para a reconstrução, o setor da saúde e escolas e universidades –, o sítio é uma agressão psicológica que tem forte impacto nos sonhos e nas esperanças das pessoas. "Em várias ocasiões tentei abandonar Gaza, para estudar no exterior. Embora tenha conseguido vistos e convites, as fronteiras fechadas de Israel e Egito me impediram de partir", contou Majed, de 24 anos.

Com Hatem aconteceu algo parecido. Obteve várias bolsas de estudos nos Estados Unidos e na Europa, mas as perdeu por causa do sítio. Apesar de todos esses obstáculos, os palestinos continuam buscando maneiras de se educar, além de se sentirem conectados com o resto do mundo. "A Internet é o mais útil no momento. Por exemplo, gostaria de estudar iluminação na universidade, mas isso não é possível. Esse tipo de programa para cinema e fotografia não existe em Gaza. E como não posso viajar, pego na rede das redes", disse Emad.

Na Faixa de Gaza praticamente não há mercado para o que oferecem artistas e músicos. O mesmo ocorre com os cineastas independentes. Graças à Internet, "alguém no mundo pode ver minhas fotografias, meus desenhos ou vídeos e posso me conectar com eles. Para mim o mais importante é enviar constantemente uma mensagem sobre a realidade da Palestina, seja sobre a vida das crianças ou sobre a guerra, ou o sítio", disse Emad.

Mahdi Zanoon trabalha como voluntário e faz filmagens para uma organização de Beit Hanoun, norte de Gaza. Quando não está trabalhando também procura o contato com o mundo exterior. "Converso por chat com amigos em outras partes da Palestina e em outros países. É uma pequena via de escape, quando sempre nos sentimos asfixiados", disse. Como é negada a oportunidade de visitar familiares que moram fora da Faixa de Gaza, a Internet cumpre outro papel vital. Telefonar para eles custa muito caro, "mas usando o Skype (programa de telefonia via Internet) ou um programa de mensagens posso manter contato", contou.

Ativistas e organizações educacionais também aproveitam ao máximo as possibilidades proporcionadas pela tecnologia. Videoconferências e conferências por Skype permitem aos estudantes de Gaza se conectar com universidades de fora desse território, que trabalham para romper o sítio em matéria de educação. Porém, para muitos moradores de Gaza, Internet e televisão são menos uma questão política e acadêmica do que um passatempo.

Em um território onde o tempo é a única coisa que sobra, a falta de trabalho e de atividades de lazer fazem com cada vez mais pessoas naveguem pela autopista da informação ou assistam televisão. As telenovelas turcas ganham uma vasta audiência em Gaza. "Gosto de ver algo diferente. Suas roupas, seus costumes, suas paisagens. Quando a eletricidade é cortada, fico muito ansioso porque perco um capítulo", contou Um Fadi.

Esses programas são uma possibilidade de fuga da realidade cotidiana vivida na faixa palestina, onde muitos sentem que amanhã não será diferente de hoje ou de ontem. "Nada muda, todos os dias são iguais. Não há trabalho, não há liberdade, não há nada para fazer", resumiu Mohammad.


Fonte: Por Eva Bartlett, da IPS/Envolverde

" Albert Einstein"



" Há momentos em que se

sente liberado de seus

próprios limites e

imperfeições humanas.


Nesses instantes a gente se

sente num pequeno canto

de um pequeno planeta

com o olhar fixo e

maravilhado na beleza fria

mas contudo profunda e emocionante do que é

eterno e incompreensível


A vida e a morte se fundem

e não há nem evolução ou

destino, apenas o ser".


Albert Einstein

domingo, 23 de maio de 2010

“ Você prefere os obedientes ou os rebeldes”- Contardo Calligaris

VOLTEI AO presídio feminino do Butantã, em São Paulo, para ser jurado de um concurso de miss atrás das grades, com três premiações: Miss Cultura, Miss Simpatia e Miss Beleza.

No concurso de beleza, a administração decidiu que seriam premiadas cinco mulheres, sem hierarquia. Foi uma ótima ideia. A eleição de uma miss sempre deixa a impressão de que exista um único cânone de beleza. De fato, as cinco mulheres premiadas eram bonitas de maneiras muito diferentes. Mas, sobre a diversidade da beleza, escreverei outro dia.
No concurso de Miss Simpatia, o júri só podia se deixar contaminar pela torcida da plateia. Afinal, simpatia é também saber conquistar amizades, muitas amizades.

Mas vamos ao concurso de Miss Cultura. Cada uma das sete finalistas produziu uma redação sobre um dos temas que tinham sido propostos pelos organizadores. Nós, do júri, recebemos as redações, lemos, ponderamos e, no dia do concurso, escutamos as candidatas lendo seu texto e, eventualmente, respondendo às nossas perguntas. 

Os próprios temas levaram as mulheres a falar de seus planos de futuro, do uso que elas fizeram ou fariam do tempo de detenção, do arrependimento, da saudade etc. Com isso, era quase inevitável que as considerações das concorrentes fossem sempre muito próximas ao que a sociedade espera que um detento pense e declare. Mas, cuidado, não há crítica alguma nessa minha observação, até porque nada do que as candidatas escreveram soava fingido.  

Então qual é o meu problema? Eu preferiria que as candidatas se mostrassem revoltadas e agressivas? Claro que não. No entanto, ao ler as redações, eu me preocupava, paradoxalmente, com a rebeldia das autoras, como se ela fosse uma qualidade que não poderia se perder, que, mesmo numa penitenciária, deveria ser preservada. Que loucura é essa? 

Pois bem, é uma loucura absolutamente banal, uma loucura própria de nossa cultura. Se não fosse por ela, aliás, a tarefa dos pais e dos educadores seria imensamente mais fácil. Explico.
Todos queremos que filhos ou alunos respeitem nossa autoridade. Agora, todos também consideramos que nossa tarefa de pais ou educadores só será cumprida quando filhos e alunos pensarem por conta própria, ou seja, quando eles sejam capazes de desconsiderar nossos conselhos e desobedecer a nossas ordens.

Seria cômodo se, como nas sociedades tradicionais, a gente dispusesse de ritos de passagem sancionando a entrada na idade adulta: aos 15 anos e um dia, saia sozinho pela savana, armado de uma lança, e só volte tendo matado seu primeiro leão. A partir de então, você será autônomo.
Infelizmente, para nós, o tempo de se tornar adulto se estende sem limites definidos: não sabemos quando ele acaba e, mais problemático ainda, não sabemos quando começa. Consequência: pais e educadores podem sofrer, exasperados pela rebeldia de moleques e meninas incontroláveis e, ao mesmo tempo, deliciar-se ao relatar as travessuras de filhos e alunos. Qualquer terapeuta já atendeu pais "desesperados" com a insubordinação dos filhos, mas que, de repente, abrem um sorriso extasiado na hora de contar "o horror" que é sua vida com esses descendentes que os desrespeitam.
 Eis o problema que torna educar quase impossível, em nossa cultura: a autonomia, para nós, é um valor tão importante que ela precisa ser confirmada pela desobediência. Com isso, qualquer pai prefere, no fundo, lidar com um filho revoltado a imaginar que o filho possa ter uma vida servil e, portanto, medíocre. 

Os santos mais respeitados são os que foram grandes pecadores e descrentes (Agostinho, Francisco, o próprio Paulo etc.). No imaginário cristão, aliás, uma conversão tem mais valor do que a fé de quem sempre acreditou. A parábola do pastor que deixa o rebanho para procurar a ovelha perdida sugere que, assim como a gente, talvez Deus prefira os rebeldes. 

Uma anedota. Em maio de 1969, no átrio da Universidade de Genebra, junto com amigos anarquistas, eu distribuía panfletos criticando a iminente visita do papa à cidade. 

Um professor, passando por nós, perguntou-me: "Será que o senhor tem uma autorização para distribuir esses panfletos?". Respondi imediatamente: "Senhor, tenho muito mais do que uma autorização, tenho uma proibição formal". 

Fato coerente com o que acabo de argumentar, ele achou engraçada minha impertinência e deixou que continuássemos.


 

http://contardocalligaris.blogspot.com/

" O sexo triste dos jovens"- Lya Luft





"A nós, adultos, cabe não desviar os olhos, mas trabalhar na esperança de que um dia nossos adolescentes conheçam o sexo com ternura"


Procuro ser aberta ao novo, ao que me agrada no novo e também ao que exige um certo tempo para ser assimilado. Às vezes há o que não vale a pena ser assimilado, então, vou buscar outras paisagens. Eventualmente não sabemos se vale ou não, então, a gente fica humilde e espera. Uma novidade (para mim) espantosa, narrada e confirmada em mais de um lugar no país, é dessas que não quero assimilar. Se possível, enterrava numa cova funda, varrida para baixo de mil tapetes, fazia de conta que não existia: o sexo (ou simulacro de sexo) sem encanto, sem afeto, sem tesão, o sexo triste ao qual são coagidos pré-adolescentes, quase crianças, em famílias de classe média e alta. Essas que pensamos estar menos expostas às crueldades da vida.
Talvez eles não precisem comer lixo, correr das balas dos bandidos, suportar brutalidades e incestos, tanto quanto os mais desvalidos. Seu mal vem sob outro pretexto: o de ser moderno e livre, ser aceito numa tribo, causar admiração ou inveja. Cresce, que eu saiba, o número de meninas de 12 a 14 anos grávidas. O impensável ocorre muitas vezes em festinhas nas quais se servem bebidas alcoólicas (que elas tomam, ou pagariam mico diante das amigas, e com essa desculpa convencem os pais confusos), não há nenhum adulto por perto (seria outro mico, e assim elas chantageiam os pais omissos), e ninguém imaginaria o que ia rolar.

Nessas ocasiões pode rolar coisa assombrosa sob o signo da falta de informação, autoridade e ação paternas. Nem sempre, mas acontece. Crianças bêbadas no chão do banheiro de clubes chiques, adultos cuidando para não sujar o sapato no vômito não são novidade (ambulância na porta, porque algumas dessas meninas ou meninos passam mal de verdade); quantas meninas consigo beijar na boca numa festinha dessas? Em quantos meninos consigo fazer sexo oral? Sexo que vai congelando as emoções ou traz uma doença venérea, quem sabe uma absurda gravidez – interrompida num aborto, de sérias consequências nessa idade, ou mantida numa criança que vai parir outra criança.

"Roubaram a sexualidade desses meninos", me diz uma experiente terapeuta. Não deixaram tesão nem emoção, mas uma espécie de agoniado espanto, nessas criaturas inexperientes que descobrem seu corpo da pior maneira, ou aprendem a ignorá-lo, estimuladas ou coagidas por incredulidade ou fragilidade familiar, pelo bombardeio de temas escatológicos que nos assola na TV e na internet, com cenas grotescas, gracejos grosseiros em torno do assunto – "valores" e "pudor", palavras hoje tão arcaicas. Efeito da pressão de uma sociedade imbecilizada pela ordem geral de que ser moderno é liberar-se cada vez mais, sem saber que dessa forma mais nos aprisionamos. Precisamos estar na crista da onda em tudo, tão longe ainda da nossa vida adulta: sendo as mais gostosas e os mais espertos, desprezando os professores e iludindo os pais, sendo melancolicamente precoces em algumas coisas e tão infantilizados e ignorantes em outras, nisso incluindo nosso próprio corpo, emoções, saúde e vitalidade.

A nós, adultos, cabe não desviar os olhos, mas trabalhar na esperança (caso a tenhamos) de que nossos adolescentezinhos, às vezes ainda crianças, vivam de maneira natural essa delicada fase, e um dia conheçam o sexo com ternura, na tesão de sua idade – forte e boa, imprevista e imprevisível, com seu grão de medo e perigo, beleza e segredo. Que essas criaturinhas sejam mais informadas e mais conscientes do que, muito mais protegidas que elas, nós éramos. Mas seguras e saudáveis, não precisando lesar sua bela e complexa intimidade com tamanha violência mascarada de liberdade ou brincadeira. Sobretudo, sem serem estimuladas a lidar de modo tão insensato com algo que pode lhes causar traumas profundos, ou anular um aspecto muito rico de sua vida. É difícil, mas a gente precisaria inventar um movimento consciente, cuidadoso, responsável, contra essa onda sombria que quer transformar nossas crianças em duendes pornográficos, deixando feias cicatrizes, e fechando-lhes boa parte do caminho do crescimento e do aprendizado amoroso.

(Lya Luft - Revista Veja)