sábado, 26 de novembro de 2011

Generosidade e convivência em grupo

As famílias sofreram grandes mudanças nos últimos 40 anos, mais ou menos, e essas mudanças ainda não terminaram. Uma delas, bem significativa, foi a diminuição do número de filhos que decidem que devem ou podem ter principalmente porque ter e criar um filho custa hoje muito caro. Antes, um casal com quatro filhos e até mais era um fato muito comum. Hoje, quando encontramos uma família com mais de dois filhos, já nos surpreendemos.


Além do número de filhos, o tipo de vida das famílias grandes favorecia o ensinamento aos irmãos da partilha, da solidariedade, do companheirismo. Na época das grandes famílias, ter um filho único era preocupante porque parecia não haver condições propícias a esses aprendizados. Hoje, muitos casais com apenas um filho se preocupam pelo fato de essa situação, por si só, criar condições problemáticas para a formação e educação dos filhos. Vários leitores já escreveram manifestando essa impressão. Vale refletir a respeito.

Um ponto importante é o fato de que o contexto social ser decisivo na determinação de situações consideradas usuais e, portanto, na das consideradas exceções - viver como diferente sempre foi e ainda é bem difícil. Na época das grandes famílias, ter um filho único onerava os pais sobremaneira já que eles tinham de educar na ausência de referências socialmente compartilhadas porque essa não era uma situação vivida por muitos.

Hoje, mesmo a situação social tendo interferido radicalmente no número de integrantes das famílias, a preocupação dos pais continua. Mas o que temos visto é que, mesmo nas famílias com mais de um filho, todos são criados como se fossem filhos únicos, o que não favorece o surgimento daquelas situações que já foram consideradas ideais para determinados ensinamentos de convivência

Antes, o filho único não dividia seu quarto com ninguém, não precisava emprestar seus brinquedos nem vivia em casa situações que poderiam facilitar o aprendizado da tolerância ou da divisão da atenção dos pais.

Essas gerações mais novas não nasceram portadoras de um “chip novo”, como diz uma amiga, que programa determinados comportamentos. Elas têm aprendido a viver de acordo com a cultura do individualismo que as cerca e têm priorizado a posse das coisas mais do que o uso delas porque assim temos ensinado. O individualismo não combina com a generosidade, o clima competitivo não se conecta com a solidariedade, não é?

Então, se hoje apenas alguns pais com um único filho se preocupam com o tipo de educação que praticam porque querem evitar um filho egoísta, exigente e mimado, é porque há algo de equivocado em nossas interpretações. Talvez um dos equívocos seja o de acreditarmos que as situações vividas por crianças e jovens são mais decisivas em sua formação do que as atitudes educativas dos pais.

O fato é de que temos tido muita dificuldade para ensinar certas virtudes e atitudes na convivência porque nós mesmos não mais as exercermos. Como ensinar a ceder se sequer no trânsito somos capazes de permitir que outro carro entre a nossa frente? Como ensinar a tolerância se não suportarmos o que é diferente? Como ensinar a dialogar se não sabemos ouvir? Com ensinar a esperar a vez se fazemos de tudo para sermos os primeiros?

Os pais de filhos únicos não precisam se preocupar com essa situação específica da vida do filho e sim com todas as outras que invadem nossa vida e que ensinam a eles que não desejaríamos que aprendessem. E é preciso contar também com a vivência na escola. Lá eles podem e devem aprender a compartilhar, a saber esperar, a colaborar com os outros, a conter seus impulsos individualistas. É por isso que os pais não devem pedir à escola que trate seu filho de forma individualizada.



Fonte: Folha de SP. Rosely Sayão