quarta-feira, 14 de abril de 2010

“Os castigos corporais, devem ser usados ou não”? – Luiz Alberto Py

Frequentemente pais me perguntam sobre a conveniência e o acerto de se usar castigos corporais com seus filhos e quais os tipos de castigos adequados, se é que eles existem. Segundo um importante relatório do Laboratório de Investigações Familiares da Universidade de Hampshire (EUA), os castigos corporais às crianças poderão causar-lhes problemas sexuais na adolescência e na idade adulta.

A análise de quatro relatórios sobre castigos corporais de pais a filhos revelou uma vinculação entre sofrer castigos corporais e o surgimento, na adolescência ou na idade madura, de três problemas sexuais: violência física nas relações sexuais, sexo sem preservativo e sexo masoquista. Esses resultados, juntamente com mais de 100 outros estudos, sugerem que o castigo corporal origina relações sexuais violentas e problemas de saúde mental.

Os investigadores afirmam que a prevenção da relação sexual violenta é fundamental e dizem que os problemas de saúde mental e a violência nas relações sexuais podem ser prevenidos através de uma recomendação de que nunca se aplique castigos corporais às crianças.

A educação é de uma importância transcendental e de grande responsabilidade para os pais. Há no mundo muitos homens que se lamentam de desgraças devidas a faltas e descuidos dos seus pais. Em educação, como em tudo na vida, recolhe-se aquilo se semeou. É necessário inculcar nas crianças – gradualmente, à medida que elas vão sendo capazes de assimilar – a limpeza, a ordem, a obediência, o sacrifício, a lealdade, o espírito de serviço, a honradez, o saber renunciar, etc. E habituá-los a portarem-se bem em todos os lugares, a praticarem o bem embora seja penoso, a fugirem do mal ainda que seja sedutor, espontaneamente e por iniciativa própria, mesmo que ninguém vigie nem castigue.

Quando forem mais velhos, será muito difícil que adquiram virtudes que não foram semeadas neles quando eram pequenos. As crianças, para seu bom desenvolvimento, precisam de carícias desde a primeira hora. Fizeram-se estudos e verificou-se que crianças atendidas perfeitamente nas suas necessidades vitais, em centros especializados, mas com falta de carinho, mostraram anormalidades características.

Crianças mimadas

A alegação de que é preciso evitar que as crianças sejam mimadas é correta. A criança mimada torna-se caprichosa e pouco sociável. Isso virá lhe trazer problemas de aceitação entre os companheiros na escola, e irá dificultar a sua maturidade psicológica. Está comprovado que a criança que é bem aceita pelos companheiros, pelas suas qualidades pessoais, tem uma grande percentagem de probabilidade de um bom amadurecimento psicológico no futuro. Os filhos não devem ser mimados, mas também não os devemos castigar sem razão.

Castigo é inevitável

O castigo é inevitável, pois é moralmente impossível que as crianças não cometam alguma falta que o requeira: "Sem castigo não há educação possível", afirma um dos mais célebres pedagogos da nossa época, Foerster. Mas ao castigar é necessário evitar sempre a violência corporal. Outras formas de castigo são mais educativas e eficazes. E devem ser sempre:

a) Oportunas: escolhendo o momento mais propício para ser imposto, depois de passada a ira em pais e filhos.

b) Justas: sem exceder os limites do que é razoável.

c) Prudentes: sem nos deixarmos levar pela ira.

d) Carinhosas na forma: para que a criança compreenda que o castigo lhe é dado para seu bem. Não somos eficazmente castigados senão por aqueles que nos amam e a quem nós amamos.

O castigo corporal gera revolta, rancor, diminuição do sentimento de honra. Nas meninas, o castigo corporal debilita o sentimento da intocabilidade corporal, tão precioso para o recato da sua vida futura. Mais eficazes do que o castigo corporal são atitudes como pôr a criança para comer sozinha numa mesinha, virada para a parede, ou privá-la de uma manifestação de carinho habitual, ou de um doce que lhe agrade, ou do dinheiro que se lhe costuma dar. Depende de idades e de circunstâncias.

O castigo deve facilitar à criança o caminho da honradez, da obediência, da aplicação, etc., para fazer dela um homem moral. O castigo, mais do que para pagar pela falta cometida, deve servir para a correção. Para que assim seja, não é necessário que a criança reconheça a falta e a justiça do castigo. O castigo tem muito mais valor quando a criança o aceita voluntariamente, ou quando é ela mesma quem o impõe. Depois de aplicado o castigo, se deve fazer as pazes com a criança logo que possível. É preciso ter tato para corrigir com eficácia. Pouco se consegue com apenas ferir e humilhar. É preciso animar. Despertar o sentido da própria estima.
Uma correção eficaz deve deixar sempre aberta uma porta à esperança de superação. A autoestima é fundamental para a saúde mental e devemos proteger ao máximo a criança das lesões na mesma. É preciso ter cuidado para que o castigo não corresponda ao nosso mau humor, mas sim à gravidade da falta e à responsabilidade da criança. Depois de a criança ter reconhecido a culpa, e de o castigo ter sido aceito, é muito pedagógico diminuir esse com a promessa de emenda.


Luiz Alberto Py

Fonte: uol.com.br/vyaestelar.luizalbertopy/

domingo, 11 de abril de 2010

“ A quem Educa”- Artur da Távola



Educa quem educará. E quem aprender a perder. Quem, ou cuja obra, permanecer muito depois do momento de educar . Educará quem for capaz de dar no presente , com decisão, coragem e sem culpas, tudo o que no futuro fizer lembrar - ainda que com dor mas se possível com muita alegria - o momento da educação .

Educar é perder sempre as batalhas do imediato . Menos o amor de quem percebe o quanto ele preside o gesto do educador . É perder qualquer pretensão do reconhecimento e saber que quando ele vier - se vier - já tempo não haverá para receber o agasalho de sua manifestação , nem como reparar as injustiças feitas ,o silêncio , a falta do "muito obrigado". É perder porque é aceitar perdurar apenas na lembrança. É perder porque em qualquer sistema , em qualquer estrutura , em qualquer institucionalização de qualquer coisa sobre a face da terra, o verdadeiro educador estará ameaçando algo até mesmo tudo aquilo em que ele próprio acredita , porque o verdadeiro educador é o que acompanha as mutações da vida , dos tempos, dos comportamentos. É quem logo vê o abismo de imperfeições implícito no seu próprio ato de educar . Porque educar é educar-se a cada dia. E é ser capaz da eqüidistância de esquemas , sistemas ou fórmulas infalíveis e donas da verdade última das coisas.

Eu educo hoje com valores que recebi ontem para pessoas que são o amanhã. Os valores de ontem , os conheço. Os de hoje, percebo alguns. Dos de amanhã, não sei. Educo com os de ontem ( os da minha formação) ? Perderei os hojes e os amanhãs. Educo com os de hoje ? Perderei o que havia de sólido nos de ontem e nada farei pelos de amanhã ,que já serão outros ? Educo com os de amanhã ? Em nome de quê ? De adivinhações ? Da minha precária maneira de conceber um amanhã que escapa pelos desvãos meu cérebro ?

Se só uso os de ontem , não educo : condiciono. Se só uso os de hoje, não educo : complico. Se só uso os de amanhã , não educo : faço experiências à custa das crianças. Se uso os três , sofro. Mas educo.

Por isso educar é perder sem perder-se. Sempre. É ameaçar o estabelecido. Sempre. Mas é tudo isso sendo , também , integrar.Viver as perplexidades das mutações; conviver honradamente com angústias e incertezas ; ir dormir cravado de dúvidas , mas ter sensibilidade para distinguir o que muda do que é apenas efêmero; o que é permanente do que é renovado.

É dormir assim e acordar no dia seguinte renovado pelo trabalho interior e poder devolver ao aluno , ao filho ou amigo, a segurança , a fé, a confiança , formas éticas de comportamento, seu verdadeiro sentido de independência e de liberdade, seus deveres sociais consigo mesmo, com o próximo e com a sociedade, a parte que lhe cabe no esforço comum.

Educa quem educará. Quem for capaz de fundir ontens, hojes e amanhãs , transformando-os num presente onde o amor e o livre arbítrio seguem as bases. Educa quem educará porque capaz de dotar os seres dos elementos de interpretação dos vários "presentes"que surgirão repletos "passados em seus futuros".

O ser humano não é naturalmente bom , nem é naturalmente mau. O ser humano é um feixe de emoções em conflito , de poderes em confronto. Mas alicerces básicos em seu comportamento, comuns a qualquer latitude ou longitude do terráqueo. Educa quem os fortalece, quem é capaz de dar proteínas , vigor e confiança ao lado humano do amor , mais forte que o do ódio, tanto que permite a vida do homem sobre a face da terra. E só quem educa transforma, por mais que as pessoas se iludam com o resto .

Educa a velha professora de quem nos lembramos , sabe Deus porque, milênios depois, num momento em que sua lembrança não tinha razões aparentes para vir à tona , como o velho tio, o amigo, o pai e a mãe que saltam do passado com aquele olhar , aquela observação sobre a vida, à época julgados absurdos por nós. Educa aquele que só entendemos muitos anos depois e quando entendemos o espírito se liberta de antiga pressão , também amada de remorso enrustido.

Educa o que nos exigiu forças de que nos julgávamos desprovidos. Esforços de que nos acreditávamos incapazes. Confrontos conosco mesmo de que tanto fugimos e tantas desculpas menores encontramos para não defrontar. Educa quem integra, sempre e sempre pedaços de uma realidade realmente mais ampla do que nós . E só quem educa, em qualquer nível de atividade , merece viver integralmente as paradoxais intensidades de que é feita a vida.


Artur da Távola