sábado, 27 de março de 2010

“Entrevista com Bauman- sociólogo, autor de Amor Líquido”

Li o livro Amor Líquido, uma obra prima. Não deixem de conferir. E quem sabe poderemos conversar sobre o mesmo.

Transcrevo uma entrevista dada por Bauman em São Paulo no ano de 2004.

Boa leitura!

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Descrito certa vez como "profeta da pós-modernidade" (com o que não concorda), por suas reflexões sobre as condições do mundo da "modernidade líquida", os temas abordados por Bauman tendem a ser amplos, variados e especialmente focalizados na vida cotidiana de homens e mulheres comuns. Holocausto, globalização, sociedade de consumo, amor, comunidade, individualidade são algumas das questões de que trata, sempre salientando a dimensão ética e humanitária que deve nortear tudo o que diz respeito à condição humana. Preocupado com a sina dos oprimidos, Bauman é uma das vozes a permanentemente questionar a ação dos governos neoliberais que promovem e estimulam as chamadas forças do mercado, ao mesmo tempo em que abdicam da responsabilidade de promover a justiça social. "Hoje em dia", lamenta ele, "os maiores obstáculos para a justiça social não são as intenções... invasivas do Estado, mas sua crescente impotência, ajudada e apoiada todos os dias pelo credo que oficialmente adota: o de que 'não há alternativa'". É nesse quadro que se pode entender sua afirmação de que "esse nosso mundo" precisa do socialismo como nunca antes. Mas o socialismo de que Bauman fala, como insiste em esclarecer, não se opõe "a nenhum modelo de sociedade, sob a condição de que essa sociedade teste permanentemente sua habilidade de corrigir as injustiças e de aliviar os sofrimentos que ela própria causou". É nesse sentido que ele define o socialismo como "uma faca afiada prensada contra as flagrantes injustiças da sociedade".

Confiantes e animados pelo sonho de criar uma sociedade mais justa e igualitária, Zygmunt e Janina ali construíram suas carreiras (ele como professor da Universidade de Varsóvia e ela como editora de roteiros cinematográficos) e criaram sua família, até que uma nova onda de anti-semitismo e repressão esmagou seus sonhos e os forçou ao exílio. Após três anos em Israel, o convite para o cargo de chefe do departamento de sociologia na Universidade de Leeds trouxe Bauman e sua esposa à Inglaterra, onde permanecem até hoje.

Gentil, modesto e reservado, Zygmunt Bauman aceitou prontamente ser entrevistado para o público do Brasil, país que pouco conhece e onde esteve uma única vez há vários anos, para um congresso de sociologia no Rio de Janeiro. Pelas notícias que ouve do país, o que o impressiona é a desumanidade de cidades como São Paulo, por exemplo, uma cidade que, como diz, com sua abundância de muros ao redor de residências, prédios, parques etc., mostra "o lado mais brutal e inescrupuloso das tendências segregadoras e exclusivistas" das cidades metropolitanas. O fato de os brasileiros despenderem "4,5 bilhões de dólares por ano em segurança privada" só acresce a desumanidade de um quadro que considera sintomático da realidade mundial.

Extremamente hospitaleiro (algo muito próprio dos europeus do Leste, como dizem), Bauman entremeou reflexões sobre sua obra e sua vida com idas à cozinha para servir chá quente e com oferecimentos insistentes de caprichados canapés de salmão e outros petiscos cuidadosamente dispostos na pequena mesa de sua biblioteca.


Quando se acompanha sua carreira, o senhor parece um filósofo que, devido às condições da Polônia de pós-guerra, foi temporariamente desviado de sua vocação, voltando-se para a sociologia. Concorda com essa descrição?

Essa seria uma reconstrução justa do que realmente aconteceu e de como eu encarava a situação, mas com uma ressalva. Eu não era um filósofo profissional antes de ter me desviado para a sociologia, como você sugere; nem desejava me tornar um. Antes de me juntar ao exército polonês e voltar para meu país natal por essa via, eu fiz dois anos de curso universitário de física por correspondência (na Rússia, os estrangeiros não tinham permissão de viver em cidades grandes, onde havia universidades). Lembro de, como tantos adolescentes, me sentir um tanto apavorado e esmagado pelos mistérios e enigmas do universo e de desejar ardentemente dedicar minha vida a desvendar esses mistérios e a solucionar esses enigmas. Meus estudos no entanto foram interrompidos pelo apelo das armas, quando eu tinha 18 anos, para jamais serem retomados.

Imagino que a crença de que a sociologia poderia melhorar a vida humana ao reformar o meio social no qual esta se conduzia era parte integral do "projeto de modernidade". Até mesmo diria que o projeto consistia exatamente nisso. Assim, as pessoas que estavam seriamente empenhadas em levar a sociedade a desenvolver condições mais desejáveis — a fim de ser "moderna", ou seja, mais humana e melhor estruturada para promover a felicidade e a dignidade humanas — não titubeavam um instante sobre que tipo de conhecimento deveria ser com mais urgência adquirido, dominado e colocado em prática. Certamente só poderia ser a "ciência da sociedade", a sociologia, a disciplina que surgira para servir ao "projeto de modernidade". Como Auguste Comte disse na origem do mais "modernista" dos objetivos científicos, "il faut savoir pour prévoir, e prévoir pour pouvoir". Tal convicção sobre a missão da sociologia e tal fé em seu poder de realizar sua missão devem, sem dúvida, intrigar um leitor contemporâneo, mas somente porque vivemos hoje numa era diferente, quando o mantra do dia não é mais "salvação pela sociedade"; infelizmente, o que se ouve agora, como homilias insistentes, é que devemos buscar soluções individuais para problemas produzidos socialmente e sofridos coletivamente.

Se o senhor é ao mesmo tempo sociólogo e filósofo, poderia dizer se há ocasiões em que os dois papéis entram em conflito?

Essa é uma questão de perspectiva, pois combinar os papéis de "sociólogo" e de "filósofo" (ou ser enquadrado ora em um ora no outro, ou nos dois ao mesmo tempo) pode parecer esquisito agora e no mundo anglo-saxão (ou nas partes do mundo nas quais o desenvolvimento das ciências sociais seguiu um padrão americano após a Guerra). Mas nem sempre, nem em todos os lugares, foi assim... Certamente não era assim na Polônia, onde, como em grande parte da Europa, a sociologia foi concebida, gestada e incubada dentro do pensamento filosófico — como parte, ou ramo, da filosofia. Fui educado e treinado no Departamento de Filosofia e Sociologia, e não me recordo de nenhum conflito entre as duas partes do mundo acadêmico: ambas pareciam assumir que eram "naturalmente" parte de um todo, talvez se vissem mesmo como gêmeos siameses, ou até gêmeos holocéfalos!

Sou inclinado a acreditar que as raízes da sociologia como uma atividade intelectual separada e relativamente autônoma se encontram na exposição da antiga atividade filosófica à ousada, e até temerária, intenção de "ilustrar". O projeto de "ilustração" pode ser entendido, para usar a famosa alegoria de Platão, como a vontade de levar o produto da contemplação das verdades brilhantes e ofuscantes dos filósofos para os habitantes das cavernas e, desse modo, retirá-los dos bancos aos quais estavam atados, permitindo que vissem, absorvessem e retivessem algo mais valioso do que as meras sombras das coisas refletidas nas paredes. Em outras palavras, a sociologia nasceu da intenção, do desejo de compartilhar a sabedoria dos filósofos com hoi polloi, as "pessoas comuns", e de com isso elevá-las da ignorância e superstição para o conhecimento e entendimento genuínos. Inclino-me a pensar que na sua origem a sociologia era um programa de educação filosófica universal... Li o apelo à razão como uma faculdade universal dos seres humanos, contido em Was is Aufklarung ("O que é Iluminismo") de Kant, como um manifesto sociológico (dentre outras coisas, é claro).

Muitas pessoas tendem a descrever sua obra como sendo a de um moralista ou, pelo menos, como a de um sociólogo com mensagens éticas muito fortes. Concorda com essa descrição? Se sim, diria que está propondo um novo tipo de sociologia?

Talvez deva começar dizendo que, diferentemente da filosofia que "deixa o mundo como é", conforme a famosa reclamação de Ludwig Wittgenstein (que disse isso seguramente pensando no tipo de filosofia de "análise lingüística" que dominava o universo acadêmico da época), a sociologia faz diferença no mundo. Diria mesmo que, considerando sua ligação com a condição humana, há alguma afinidade entre o papel da sociologia e o da engenharia. A "engenharia" em que a sociologia se engaja, quer deliberadamente ou não, pode ser de dois tipos, e faz uma imensa diferença saber de qual deles se trata. Desde os anos de 1950 cunhei os termos "engenharia pela manipulação" e "engenharia pela racionalização" para diferenciar os dois tipos de engajamento e esclarecer para mim mesmo a qual tipo eu deveria aderir e de qual eu deveria me afastar.

Penso que fui atraído para a sociologia por motivos exatamente opostos aos que moviam os praticantes e "propagandistas" da "engenharia pela manipulação". Suponho que o que me seduziu foi a esperança de ampliar a extensão e a potência da liberdade dos atores sociais, oferecendo a eles um melhor insight na organização social na qual desempenham suas tarefas de vida e que eles co-produzem (a maior parte das vezes inconscientemente). Desde sempre acreditei que, se a vocação sociológica tem alguma utilidade para os seres humanos, essa utilidade se deve aos serviços que presta e pode prestar ao esforço de compreender, dar sentido e adquirir um modicum de controle sobre suas vidas. É por isso que tendo a descrever o que faço como um contínuo diálogo com a experiência humana. Era isso ao menos o que Stanislaw Ossowski, um dos maiores sociólogos poloneses e um dos meus mais persuasivos professores em Varsóvia, considerava a premissa central de sua muito peculiar "sociologia humanística".

Foi com isso em mente que durante os cinqüenta anos de minha aventura sociológica me movi de uma área da "condição humana" para outra, sempre estimulado pelas contínuas mudanças, algumas profundas e outras sutis, dessa condição, ou seja, do cenário social em que os indivíduos devem atuar. Desempenhando sua função — isto é, representando a condição humana como produto das ações humanas —, a sociologia era e é para mim uma crítica da realidade social. Entendo que cabe à sociologia expor publicamente a contingência, a relatividade do que é "a ordem", para abrir a possibilidade de arranjos sociais e modos de vida alternativos; em outras palavras, ela deve militar contra as ideologias e as filosofias de vida estilo TINA ("there is no other alternative") e manter outras opções vivas. Eu me regozijaria se algum dia dissessem de mim o que Kracauer disse de Simmel: "É sempre o homem — considerado o construtor de cultura e um ser espiritual e intelectual maduro, agindo e avaliando com total controle dos poderes de sua alma e ligado fraternalmente aos outros homens em sentimento e em ação coletiva — que está no centro da visão de Simmel".

Se isso é ser moralista, então sou moralista no sentido de que creio que todas as decisões que o ser humano toma em seu ambiente social (pois ninguém está sozinho, todos nós estamos conectados a outras pessoas) têm significado ético, têm um impacto em outras pessoas, mesmo quando só pensamos no que ganhamos ou perdemos com o que fazemos. A extensão planetária da televisão não nos permite mais dizer "eu não sabia" como desculpa para nossa inação. Contemplamos diariamente como se faz o mal, como se sofre a dor, e dizer que nada podemos fazer pelo outro é uma desculpa fraca e pouco convincente, até mesmo para nós próprios. Não há como negar que em nosso planeta abarrotado e intercomunicado dependemos todos uns dos outros e somos, num grau difícil de precisar, responsáveis pela situação dos demais; enfim, que o que se faz em uma parte do planeta tem um alcance global.

Poderia falar mais amplamente sobre os riscos da modernidade?

Uma das características do que chamo de "modernidade sólida" era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.

Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.

Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas. Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem na Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculos aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, assim, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e a naturalização se tornam mais restritivas e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas.

Para confrontar sua condição existencial e enfrentar seus desafios, a humanidade precisa se colocar acima dos dados da experiência a que tem acesso como indivíduo. Ou seja, a percepção individual, para ser ampliada, necessita da assistência de intérpretes munidos com dados não amplamente disponíveis à experiência individual. E a sociologia, como parte integrante desse processo interpretativo — um processo que, cumpre lembrar, está em andamento e é permanentemente inconclusivo —, constitui um empenho constante para ampliar os horizontes cognitivos dos indivíduos e uma voz potencialmente poderosa nesse diálogo sem fim com a condição humana.

O senhor se referiu aos "muros da academia" como um obstáculo para o pensamento livre. Há alguma esperança para as universidades?

O que quer que as universidades façam, elas não conseguirão jamais pôr um fim à curiosidade humana, que talvez tenha de sair da academia para se satisfazer. Ainda tenho meu escritório na Universidade de Leeds, mas mal posso reconhecer a universidade da qual saí há poucos anos, tal a velocidade da mudança. Os nomes aparecem e desaparecem das portas, as pessoas são classificadas de acordo com o projeto em que estão engajadas no momento, mas tudo é tão a curto prazo! Cambridge provavelmente ainda é diferente.

Se se pensa nas limitações que a organização universitária hoje impõe ao desenvolvimento do pensamento livre, basta olhar para o que acontece com a filosofia e a sociologia tal como são praticadas nos departamentos universitários e em outros "locais de autoridade", ou seja, os lugares em que afirmações reconhecidas como pertencentes a uma dada disciplina podem ser feitas e nos quais elas devem ser expressas para serem reconhecidas como tais. Nesse quadro, pois, a filosofia e a sociologia se ligam a interesses intelectuais, estilos de pensamento e modos de argumentação bastante diferentes. Cada uma dessas duas disciplinas acadêmicas se pretende de posse de grupos distintos de "dados primários" e os processa, interpreta, verifica e refuta de maneiras diferentes. Dominar o canon tanto da sociologia como da filosofia e adquirir credenciais oficialmente reconhecidas e confirmadas em cada uma delas toma todo o tempo dos estudantes universitários — e a competência em uma dessas disciplinas acadêmicas raramente é exigida para se adquirir o grau na outra.

Posso entender a preocupação dos sociólogos acadêmicos com a circunscrição, as barreiras e a defesa de suas possessões contra os competidores na obtenção do dinheiro das fundações e do governo, mas o que não podemos esquecer é que essa preocupação se origina na realidade da vida acadêmica e não na lógica da experiência humana que a sociologia é chamada a servir.

O senhor tem sempre enfatizado a necessidade de todos nós "questionarmos ostensivamente as premissas de nosso modo de vida". Teria alguma sugestão a nos dar sobre as respostas a esses questionamentos?

Maurice Blanchot disse certa vez, em palavras que ficaram famosas, que as respostas são a má sorte das perguntas. De fato, cada resposta implica fechamento, fim da estrada, fim da conversa. Também sugere nitidez, harmonia, elegância; enfim, qualidades que o mundo narrado não possui. Tenta forçar o mundo numa camisa-de — força na qual ele definitivamente não cabe. Corta as opções, a multidão de sentidos e possibilidades que a condição humana implica a cada momento. Promete falsamente uma solução simples para uma busca provocada e impelida pela complexidade. Também mente, pois declara que as contradições e as incompatibilidades que provocam as questões são fantasmas — efeitos de erros lingüísticos ou lógicos, em vez de qualidades endêmicas e irremovíveis da condição humana.

Creio que a experiência humana é mais rica do que qualquer uma de suas interpretações, pois nenhuma delas, por mais genial e "compreensiva" que seja, poderia exauri-la. Aqueles que embarcam numa vida de conversação com a experiência humana deveriam abandonar todos os sonhos de um fim tranqüilo de viagem. Essa viagem não tem um final feliz — toda a felicidade se encontra na própria jornada.

O senhor já foi descrito como um "profeta da pós-modernidade" e os termos "pós-moderno" e "pós-modernidade" aparecem em títulos de quatro de seus livros. Estaria sugerindo que uma mudança cultural e social significativa ocorreu na última geração, suficientemente grande para que falemos de um novo período da história?

Uma das razões pelas quais passei a falar em "modernidade líquida" e não em "pós-modernidade" (meus trabalhos mais recentes evitam esse termo) é que fiquei cansado de tentar esclarecer uma confusão semântica que não distingue sociologia pós-moderna de sociologia da pós-modernidade, "pós-modernismo" de "pós-modernidade". No meu vocabulário, "pós-modernidade" significa uma sociedade (ou, se se prefere, um tipo de condição humana), enquanto "pós-modernismo" refere-se a uma visão de mundo que pode surgir, mas não necessariamente, da condição pós —moderna. Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade humana, assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer qualquer julgamento e a debater seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-modernismo. Mas eu sempre estive interessado na sociologia da pós-modernidade, ou seja, meu tema tem sempre sido compreender esse tipo curioso e em muitos sentidos misterioso de sociedade que vem surgindo ao nosso redor; e a vejo como uma condição que ainda se mantém eminentemente moderna na suas ambições e modus operandi (ou seja, no seu esforço de modernização compulsiva, obsessiva), mas que está desprovida das antigas ilusões de que o fim da jornada estava logo adiante. É nesse sentido que pós-modernidade é, para mim, modernidade sem ilusões.

Diferentemente da sociedade moderna anterior, que chamo de "modernidade sólida", que também tratava sempre de desmontar a realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo está agora sendo permanentemente desmontado mas sem perspectiva de alguma permanência. Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna: como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto-evidentes". Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições.

Como um exemplo dessa perspectiva, li outro dia que um famoso arquiteto de Los Angeles estava se propondo a construir casas que permanecessem lindas "para sempre". Ao ser perguntado o que queria dizer com isso, ele teria respondido: até daqui a vinte anos! Isso é "para sempre", grande duração, hoje. O que me interessa é, portanto, tentar compreender quais as conseqüências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano. Virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido.

Jean-Paul Sartre aconselhou seus discípulos em todo o mundo a ter um projeto de vida, a decidir o que queriam ser e, a partir daí, implementar esse programa consistentemente, passo a passo, hora a hora. Ora, ter uma identidade fixa, como Sartre aconselhava, é hoje, nesse mundo fluido, uma decisão de certo modo suicida. Se se toma, por exemplo, os dados levantados por Richard Sennett — o tempo médio de emprego em Silicon Valley, por exemplo, é de oito meses —, quem pode pensar num projet de la vie nessas circunstâncias? Na época da modernidade sólida, quem entrasse como aprendiz nas fábricas da Renault ou da Ford iria com toda a probabilidade ter ali uma longa carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Hoje em dia, quem trabalha para Bill Gates por um salário talvez cem vezes maior não tem idéia do que poderá lhe acontecer dali a meio ano! E isso faz uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana.

No meu livro mais recente, Liquid love, exploro o impacto dessa situação nas relações humanas, quando o indivíduo se vê diante de um dilema terrível: de um lado, ele precisa dos outros como o ar que respira, mas, ao mesmo tempo, tem medo de desenvolver relacionamentos mais profundos que o imobilizem em um mundo em permanente movimento.

Em muitas partes de sua obra o senhor soa nostálgico, às vezes até mesmo do que chama de "modernidade sólida", quando a humanidade aparentemente era menos ansiosa e tinha uma vida mais estável e segura. Concorda com essa interpretação?

Eu não diria isso. Não acredito que haja um progresso linear no que diz respeito à felicidade humana. Podemos dizer que, como um pêndulo, nos movemos de tempos mais felizes para tempos menos felizes e de menos felizes para mais felizes. Hoje temos medo e somos infelizes do mesmo modo como também tínhamos medo e éramos infelizes há cem anos, mas por razões diferentes. A modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas. Virtualmente todo mundo, quer da esquerda quer da direita, assumia que a democracia, quando existia, era para hoje ou para amanhã, mas que uma ditadura estava sempre à vista; no limite, o totalitarismo poderia sempre chegar e sacrificar a liberdade em nome da segurança e da estabilidade. Por outro lado, como Sennett mostrou, a antiga condição de emprego poderia destruir a criatividade e as habilidades humanas, mas construía, por assim dizer, a vida humana, que podia ser planejada. Tanto os trabalhadores como os donos de fábrica sabiam muito bem que iriam se encontrar novamente amanhã, depois de amanhã, no ano seguinte, pois os dois lados dependiam um do outro. Os operários dependiam da Ford assim como esta dependia dos operários, e porque todos sabiam disso podiam brigar uns com os outros, mas no final tendiam a concordar com um modus vivendi. Essa dependência recíproca mitigava, em certo sentido, o conflito de interesses e promovia algum esforço positivo de coexistência, por menor que fosse.

Bem, nada disso existe hoje. Os medos e as infelicidades de agora são de outra ordem. Dificilmente outro tipo de stalinismo voltará e o pesadelo de hoje não é mais a bota dos soldados esmagando as faces humanas. Temos outros pesadelos. O chão em que piso pode, de repente, se abrir como num terremoto, sem que haja nada ao que me segurar. A maioria das pessoas não pode planejar seu futuro muito tempo adiante. Os acadêmicos são umas das poucas pessoas que ainda têm essa possibilidade. Na maioria dos empregos podemos ser demitidos sem uma palavra de alerta. Você chama isso nostalgia? Não sei... Para pessoas que viveram no tipo de sistema Ford, semitotalitário, que tinha uma tendência totalitária inerente, como Hannah Arendt dizia, nossas apreensões devem parecer incompreensíveis!

A questão é que, como já disse antes, aproximando-me dos meus 80 anos, não mais acredito que possa existir algo como uma sociedade perfeita. A vida é como um lençol muito curto: quando se cobre o nariz os pés ficam frios, e quando se cobrem os pés o nariz fica gelado. Há sempre um custo a ser pago para a melhora numa determinada direção. Mas insisto que a sociedade que obsessivamente se vê como não sendo boa o suficiente é a única definição que posso dar de uma boa sociedade.

O senhor subscreveria a motto de Romain Rolland sobre o "pessimismo da inteligência" e o "otimismo da vontade"?

Pessimismo? No meu entender, o otimista é aquele que acredita que este é o melhor dos mundos possíveis. E o pessimista é aquele que suspeita que o otimista tem razão... Nesse quadro, não me identifico nem com o otimista nem com o pessimista, pois acredito que o mundo possa ser melhorado e que essa mera crença é instrumental em torná-lo melhor...

Qual seria sua mensagem para os jovens de hoje?

Gostaria que tentassem, apesar de tudo (e talvez esteja aí o elemento de nostalgia que você notou), apesar de todas as tendências em contrário e de todas as pressões de fora, reter na consciência e na memória o valor da durabilidade, da constância, do compromisso. Eles não podem mais contar, como a antiga geração, com a natureza permanente do mundo lá fora, com a durabilidade das instituições que tinham antes toda a probabilidade de sobreviver aos indivíduos. Isso não é mais possível e, na verdade, a vida humana individual, apesar de ser muito curta, abominavelmente curta, é a única entidade da sociedade de agora que tem sua longevidade aumentada. Sim, somente a vida humana individual vê crescer sua durabilidade, enquanto a vida de todas as outras entidades sociais que a rodeiam — instituições, idéias, movimentos políticos — é cada vez mais curta. Assim, o único sentido duradouro, o único significado que tem chance de deixar traços, rastos no mundo, de acrescentar algo ao mundo exterior, deve ser fruto de seu próprio esforço e trabalho. Os jovens podem contar unicamente com eles próprios e só haverá em suas vidas o sentido e a relevância que forem capazes de lhes dar. Sei que essa é uma tarefa muito difícil... mas é a única coisa que posso lhes dizer.

Fonte:
Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke é professora aposentada da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora associada do Center of Latin American Studies, Universidade de Cambridge

segunda-feira, 22 de março de 2010

“ Conversando sobre a hiperatividade”

Amigos, muita cautela ao expressar sobre a hiperativadade!
Estive realizando uma pesquisa sobre Transtorno de Déficit de atenção (TADH) ou Hiperatividade, e pude notar a grande diferença entre o comportamento de uma criança levada e hiperativa.
Infelizmente, muitos têm confundido, e em várias situações, afirmam que a criança está hiperativa.
Sabemos que a criança levada é a criança saudável, afinal a mesma quer brincar, correr, pular, isto, é muito natural e compreensivo na psicologia infantil. Entretanto, a criança hiperativa, é aquela que não consegue estabelecer limites.
Porém, a criança hiperativa continua sendo criança.

Vamos entender um pouquinho sobre a hiperatividade!

A Hiperatividade, também chamada de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) caracteriza-se pela presença de determinados comportamentos, que não são fáceis de identificar. A TDAH possui três características: hiperatividade, impulsividade e desatenção. Somente um profissional especializado – psicopedagogo, psicólogo, psiquiatra, ou neuropediatra – está apto a fazer o diagnóstico.

Pais, cuidado!
Se você desconfia que seu filho possa ser hiperativo, lembre-se que é necessário a criança apresentar por, no mínimo, seis meses, oito das seguintes características:

  • Fala sem parar. É excessivamente inquieta; parece não ouvir o que lhe dizem;
  • Distrai-se facilmente com qualquer estímulo externo;
  • Interrompe a conversa dos outros;
  • Não consegue se concentrar nas brincadeiras ou em qualquer outra atividade;
  • Mexe, sem parar, as mãos ou os pés;
  • Tem dificuldade em permanecer sentada;
  • Perde, com freqüência, objetos de uso diário, como material escolar ou brinquedos;
  • Responde a uma pergunta, antes que ela seja concluída;
  • Em situações de jogos de grupo, não consegue esperar sua vez;
  • Tem dificuldade para brincar em silêncio;
  • Reluta em começar uma tarefa que exija um esforço mental maior;
  • É descuidada nas tarefas escolares ou em outras atividades;
  • É instável emocionalmente e apresenta humor oscilante;
  • Envolve-se em atividades físicas perigosas, sem se dar conta das conseqüências.

Há tratamento, sim!

Se o diagnóstico – dado por um profissional – for TDAH, lembre-se que isso não impede que se leve uma vida normal. Criança hiperativa continua sendo criança, apenas mais esquecida, mais distraída, mais vulnerável. Portanto, não rotule seu filho dizendo o tempo todo: "esse menino é muito agitado", ou "você não tem jeito".Há diversos tipos de tratamento para o TDAH, já que são inúmeras as áreas de problemas. Os sintomas podem melhorar muito através da psicoterapia, da prática de atividades físicas e de medicamentos. É comum a combinação de dois ou mais tratamentos, mas cada caso é um caso, que sempre requer uma avaliação precisa e o encaminhamento correto.

Como ajudar o hiperativo?

  • Siga uma rotina, respeitando horários para levantar, comer, brincar, tomar banho, estudar e dormir;
  • Repita as instruções – uma de cada vez – de forma objetiva. Combine normas disciplinares que sejam aceitas e seguidas por todos os familiares;
  • Elogie sempre que a criança se comportar bem;
  • Estabeleça limites coerentes e respeitados por todos na família;
  • Não ofereça um excesso de brinquedos para evitar distração.;
  • Ajude na organização do tempo da criança;
  • Um despertador pode ajudar muito;
  • Saia com a criança para passear;
  • Tenha cuidado ao se decidir por uma escola;
  • As tradicionais, rígidas, com muitas cobranças, principalmente disciplinares, não são indicadas.

Atenção!

Bem orientada, a criança hiperativa aprende a controlar sua energia para atividades construtivas.


Fonte: http: anapaulamoraes.blogsopt.com.br