sábado, 4 de setembro de 2010

" Para que serve a psicanálise"- Contardo Calligaris

A ASSOCIAÇÃO Internacional de Psicanálise (IPA) foi fundada em 1910. Presente em 33 países, com mais de 12 mil membros, ela festeja seu centésimo aniversário. Aos colegas da IPA (embora eu tenha me formado numa de suas dissidências), meus sinceros parabéns.

A festa é uma boa ocasião para perguntar: para que serve, hoje, a psicanálise? A campanha eleitoral em curso me ajuda a escolher uma resposta.

Repetidamente, o presidente Lula e Dilma Rousseff se apresentam como pai e mãe dos brasileiros. Em 17/8, Lula declarou: "A palavra não é governar, a palavra é cuidar: quero ganhar as eleições para cuidar do meu povo, como a mãe cuida de seu filho".

No dia seguinte, Marina Silva comentou: "Querem infantilizar o Brasil com essa história de pai e mãe". Várias vozes (por exemplo, o editorial da Folha de 19/8) manifestaram um mal-estar; Gilberto Dimenstein resumiu perfeitamente: "Trazer a lógica familiar para a política significa colocar a criança recebendo a proteção de um pai em vez de um governante atendendo a um cidadão que paga imposto".

Entendo que um presidente ou uma candidata se apresentem como pai ou mãe do povo. Embora haja precedentes péssimos (de Vargas a Stálin, ao ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il), estou mais que disposto a acreditar que Lula e Dilma se expressem dessa forma com as melhores intenções.

O que me choca é que eleitores possam ser seduzidos pela ideia de serem cuidados como crianças e preferi-la à de serem governados como adultos.

Se o governo for paternal ou maternal, o que o cidadão espera nunca será exigível, mas sempre outorgado como um presente concedido por generosidade amorosa; o vínculo entre cidadão e governo se parecerá com o tragipastelão afetivo da vida de família: dívidas impagáveis, culpas, ciúme passional etc. Alguém gosta disso?

Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância. Ao longo da cura, espera-se que essa descoberta nos liberte e nos permita, por exemplo, renunciar à tutela dos pais e ao prazer (duvidoso) de encarnarmos para sempre a criança "maravilhosa" com a qual eles sonhavam e talvez ainda sonhem.

Tornar-se adulto (por uma psicanálise ou não) é um processo árduo e sempre inacabado. Por isso mesmo, a quem luta para se manter adulto, qualquer paternalismo dá calafrios -ou vontade de sair atirando, como Roberto Zucco.

Roberto Succo (com "s"), veneziano, em 1981, matou a mãe e o pai; logo, fugiu do manicômio onde fora internado e, durante anos, matou, estuprou e sequestrou pela Europa afora. Em 1989, Bernard-Marie Koltès inspirou-se na história de Succo para escrever "Roberto Zucco", peça admiravelmente encenada, hoje, em São Paulo, na praça Roosevelt, pelos Satyros.

Na peça, Zucco perpetra realmente aqueles crimes que todos perpetramos simbolicamente, para nos tornarmos adultos: "matar" o pai, a mãe e, dentro de nós, a criança que devemos deixar de ser.

O diretor da peça, Rodolfo García Vázquez, disse que Zucco é um Hamlet moderno. Claro, para Hamlet, como para Zucco, o parricídio é uma espécie de provação no caminho que leva à "maioridade". Além disso, pai, padrasto e mãe de Hamlet eram reis, e o pai de Succo era policial. Para ambos, o Estado se confundia com a família.

Se o Estado é um pai ou uma mãe para mim, eu não tenho deveres, só dívidas amorosas, e, se esse Estado me desrespeita, é que ele me rejeita, que ele trai meu amor. Por esse caminho, amado ou traído pelo Estado, nunca me considerarei como um entre outros (o que é uma condição básica da vida em sociedade), mas sempre como a menina dos olhos do poder.

Agora, se eu me sentir traído, não me contentarei em mudar meu voto, mas procurarei vingança no corpo a corpo, quem sabe arma na mão; pois essa é a linguagem da paixão e de suas decepções. O paternalismo, em suma, semeia violência.

Enfim, se é verdade que muitos prefeririam ser objeto de cuidados maternos ou paternos a serem "friamente" governados, pois bem, nesse caso, a psicanálise ainda tem várias boas décadas de utilidade pública entre nós.

É uma boa notícia para a psicanálise. Não é uma boa notícia para o mundo fora dos consultórios.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Românticos Conspiradores- post

Faço parte dessa rede- Românticos Conspiradores ( http://romanticos-conspiradores.ning.com/profile/NataliciaAlfradique ), quem quiser conhecê-la, será um prazer. Por isso, colaboro com esse post da amiga  Carla Lam (http://romanticos-conspiradores.ning.com/profile/CarlaL?xg_source=activitye ) o meu comentário abaixo.

Obrigada, Natalícia
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Ola RCs!!

Quinta feira passada, fui a uma palestra do Fernando Henrique sobre Educação. O público, em sua maioria, era formada de jovens adultos (20 a 25) da comunidade judaica. Não era uma palestra para educadores.

Eu gostaria de compartilhar alguns pontos com vocês, e quem sabe possa nos incentivar a uma discussão?

Vou colocar em tópicos algumas ideias expostas por FHC. Afinal, o que pensa um ex Presidente sobre a Educação de seu país?

1) FHC inicia a palestra dizendo que uma boa sociedade é aquela que as pessoas se sintam a vontade nela, e que as pessoas possam compartilhar, estar junto...

2) A ação para mudança deve ser estratégica. Mudar algo que provoca mudanças em cadeia - por mobilização e exigencia da população.

3) Hoje a questão já não é mais a frequencia na escola, ou a escola para todos, mas o que vai ser ensinado na escola.

O Brasil teve um grande avanço no número de crianças que estão na escola, comparado a décadas atras, o que quer dizer que as crianças que estão na escola são filhas de pais que nunca frequentaram a escola, ou que o acesso foi muito limitado. Além disso, o Brasil é um pais que sofreu grande migração, principalmente da área rural para urbana. Essas duas características fazem com que os pais não sejam valorizados em sua cultura, e não conseguem ser referencia nem dar apoio para seus filhos.

A escola fica sobrecarregada, pois nela é depositada toda a educação.

Acontece que as criançasm passam apenas 4 horas do dia na escola: há pouca convivência com o outro, e aquilo que tem fora com a família é desvalorizado.

4) É preciso provocar mudança na escola, passando pela transformação dos professores - Os professores precisam se perceberem no mundo, na sociedade.

5) As crianças tem mais acesso ao conhecimento pelos recusros tecnológicos do que pela escola. Não há interesse na escola e no professor.

6) É preciso ter mais flexibilidade e possibilidades para o aluno escolher o que quer estudar, e montar individualmente seu plano escolar. Aqui foca na faculdade. "Porque o advogado precisa de 5 anos para se formar? o médico seis? o jornalista quatro?"

7) O saber é coletivo. O conhecimento é coletivo. Fica identificada a pessoa que mais elegantemente sintetiza a ideia.

8) Hoje o importante é a interação entre as pessoas, alunos e professores, e não a hierarquia.

9) Para pensarmos no conteúdo que vai ser ensinado nas escolas, precisamos pensar na sociedade que queremos. Para que queremos nos preparar?

10) Para que tipo de economia vamos preparar os alunos? O sistema de ensino deve ser preparado para isso.

11) O Brasil não pode só assimilar conhecimento, mas ter condições de inovar. Assimilando fica sempre atrás, sem competitividade.

12) Diferente do Brasil, nos EUA as universidades não tem medo do governo e das empresas. Não vão ser punidas nem compradas. São independentes.

13) É preciso de valores de liberdade para as pessoas pensarem.

14) A mudança sedá por contagio e não por planos de salvação. e na educação vai ser assim.

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Olá Carla
Gostei de sua proposta e te parabenizo pela iniciativa.
Vou começar pelo final do texto, onde o nosso ilustre Ex Presidente, afirma:

- A mudança se dá por contagio e não por planos de salvação e na educação vai ser assim.

- É preciso de valores de liberdade para as pessoas pensarem.


Sou educadora e como tal passo por diferentes dilemas no meu dia a dia. Um dos que mais preconizo é a liberdade de pensamento, de sentimentos e de respeito pelo o outro.

Vivemos em uma sociedade onde a individualidade tem sido desrespeitada a todo momento, isso em diferentes segmentos de nossa sociedade. Portanto, na escola não seria diferente. Ser diferente é algo que exige um constante enfrentamento de ideias e de padrões estabelecidos e que muitos deles não são "bem vistos" na sociedade e nem no universo escolar.

Travamos uma batalha constante pela igualdade, não percebemos que ao eleger esse conceito como um passaporte para uma vida íntegra, estávamos discriminando os demais, pois pelo que entendo nascemos diferentes e assim sendo morremos com as nossas diferenças. Não entendo que para se obter um lugar ao sol, temos que ficar a disposição de uma cadeia de valores, onde o ser humanos é avaliado pelo "ter" e não pelo "ser".

A escola é um espaço que se diz democrático, portanto, pensar e agir deveria ser o seu maior instrumento de avaliação. Uma escola que não vive a liberdade de pensamento, de criação e de trabalho humanizado, não cria indivíduos autônomos. E esse é o nosso grande desafio.

Ser alunos autônomos requer infraestrutura técnica, espaços para criação e professores capacitados e valorizados no seu fazer pedagógico. Enquanto a educação for mercadoria de menor valor comercial, seremos apenas um subproduto dessa mesma filosofia.

Sem dúvida hoje o acesso a escola é maior, mas não podemos esquecer que as políticas públicas que foram adotadas, foram as piores escolhas que se poderia fazer, menos no quesito valor( preço), pois era a que menos investia na educação como um todo. Por isso, pensar é bem diferente de agir.

Enquanto acreditarmos que a educação é algo caro e portanto a sociedade não valorizá-la, tudo que será feito será apenas "mais uma inovação" para justificar o que deve ser feito.

Concordo que a escola pública deva ser de horário integral. Concordo que os alunos tenham que ler mais. Concordo que o acesso as novas fontes de conhecimento possuem um valor que deve ser agregado no espaço escolar, mas nunca substituirá o papel do professor.

Trabalhar de forma que os alunos sejam autônomos e escolham o seu prório currículo, requer ainda por parte de nós educadores um longo caminho a percorrer. Acho a ideia brilhante, mas ainda distante de uma clientela que nós sabemos que não sabe " onde está o seu desejo", portanto se sentirá solta, sem preparo mais uma vez para enfrentar novos desafios.

Concordo que a escola, deve mais do que nunca, se preocupar na educação "técnica", isto é, dar a oportunidade para o aluno com os seus 18 anos, já saiba o que irá escolher enquanto uma possível escolha profissional. No ensino médio se trabalhássemos com projetos, talvez essa seja uma fonte de enriquecimento, para que o aluno pense e reconheça que suas ideias são valiosas e produtivas.

Temos atualmente alunos no ensino médio, achando que a vida adulta é uma beleza, que tudo cairá do céu! Isso se deve a ideia que a família vem construindo, de que tudo é fácil e que com o jeitinho tudo se resolve. Isso acontece independente de sua posição social. Estamos criando os nossos filhos sem menor responsabilidade por sua vida e muito menos pela vida do outro.

Vejo sempre que vem governo e passa governo e a mentalidade de que tudo que é de fora é ótimo. Sem ao menos refletirmos que a nossa realidade fica abaixo do equador, rs.

Eu sinto por ele ter sido Presidente e pouco fez pela educação nesse país. Passamos anos em cima de leis defasadas e por constantes ataques aos nossos cientistas, ao ponto que muitos foram fazer o seu doutorado fora daqui. E isso será por que?

Enquanto as escolas privadas vencem o capitalismo selvagem, as escolas públicas viram uma selva.

Um abraço e obrigada pela oportunidade de me expor. Peço-lhe a permissão de postar em meu blog o seu texto.

Natalícia