quinta-feira, 20 de maio de 2010

“ Pra lá de Teerã”- Demóstenes Torres

 A admiração simpática dos brasileiros pelo presidente Lula certamente deve crescer depois da fantástica operação diplomática em Teerã. Caso o documento assinado entre o Brasil, a Turquia e o Irã seja mesmo o mapa do caminho para um acordo de papel assinado que ponha fim à pretensão do país fundamentalista islâmico de se tornar uma potência nuclear, Lula pode se converter em referência da nova ordem mundial.

No plano interno, a vitória faria do presidente espécie de aiatolá no processo eleitoral de 2010. Já hipótese mais provável de ficar provado que o acordo é apenas medida protelatória com a finalidade de dificultar a manobra americana de aprovar nova rodada de sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU, o presidente Lula ainda assim fica bem na fotografia. Terá argumento de sobra para dizer que tentou, mas não houve humildade das superpotências para sustentar o desenvolvimento do acordo por ele encetado.

Pode inclusive se por no papel do cônjuge enganado. Argumentar que foi vítima da traição de um mercador persa depois que refrescarem a sua memória de que os EUA, a França e a Rússia o advertiram antes do desembarque em Teerã de que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, é um chicanista profissional.

O presidente foi classificado de ingênuo pela chefe do Departamento de Estado Americano, Hillary Clinton. Nada disso, madame! Lula fez parte de um jogo cujo resultado foi antes combinado. No tabuleiro do Oriente Médio não há a menor possibilidade de o Brasil mediar qualquer interesse. A região está geográfica e politicamente fora da nossa área de influência. Isso ficou provado na viagem que o presidente fez a Israel e a Cisjordânia. Nenhum dos dois lados deu a mínima para a tentativa de Lula de se imiscuir no conflito.

A tal proeminência diplomática demonstrada em Teerã foi possível porque convergiu a necessidade dos presidentes do Irã e do Brasil de manejar o tempo. Ahmadinejad precisava de fôlego extra para conseguir temporariamente inviabilizar as sanções da ONU. Lula, que não tem muito a perder, aproveitou a oportunidade para usar o tempo que lhe resta de mandato e se posicionar como candidato a secretário-geral das Nações Unidas.

Caso o documento assinado no Irã seja o embrião de um acordo real com a Agência Internacional de Energia Atômica, o presidente Lula passará a ter chances objetivas de tirar o emprego do discreto coreano Ban Ki-moon no final de 2011. Outras condições convergem para que Lula assuma o mais alto grau da diplomacia mundial. Em primeiro lugar o cargo é tradicionalmente reservado ao terceiro-mundo e ninguém melhor do que o Brasil, que possui a liderança, ainda que imaginária, dos países pobres.

Vale notar que a sua simpatia pela África, inclusive por provectos e sanguinários ditadores, tem muito potencial de voto na Assembleia Geral da ONU. Lula ainda tem a condição de unir à nova imagem de pacificador a histórica bandeira de combate à fome e à pobreza, temas caríssimos ao palavrório do organismo internacional.

O Brasil dificilmente vai conseguir ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A medida implica em uma reestruturação formal que nenhum dos cinco membros que decidem se dispõe a fazer. Definitivamente não estão dispostos a distribuir parcelas da alta hierarquia que lhe confere o poder de veto. Por outro lado nem tudo está perdido. Bem pra lá de Teerã, Lula sonha com a cadeira de "moderador do mundo" em endereço qualificado em Manhattan com vista para o Rio East.

 
 

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

Fonte: blog Noblat

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