Foi na semana passada durante a conferência, ou convenção, do Partido Conservador, realizada em Birmingham. Aqui os sócios de carteirinha e mensalidades em dia, após uma ligeira triagem, têm o direito de se dirigir ao plenário e apresentar suas queixas, sugestões ou meras louvações. Tudo dentro da cartilha democrática que estas ilhas adotaram há mais de um século.
Eu disse cartilha. Sei o que digo.
Além dos discursos dos líderes do partido, pegou um bom espaço na imprensa o de uma professorinha. O diminutivo soa a condescendência. Injustiça. Coisas de um tempo que passou, num país bem passado e com um ovo a cavalo em cima.
Refiro-me, pois, e me penitencio, às palavras que a professora Katharine Birbalsingh, de 37 anos, dirigiu a seus colegas partidários. Katharine é a nova vice-diretora de um colégio aqui de Londres que vem vindo aos trancos e barrancos, ou caindo pelas tabelas, para usar de termos idiomáticos familiares aos nossos ouvidos e sensibilidade de botequim.
O St Michael and All Angels, situado no bairro de Southwark, em Camberwell, sul de Londres, barra pesadíssima.
Bairro multiétnico ou globalizado, conforme queiram, onde os alunos, igualmente multiétnicos e globalizados, botam, quase que literalmente, para quebrar. Todos os dias. A posição, quase exaltada, da professora (aliás, ela também multiétnica, como não se pode deixar de notar pelo nome), durou pouco.
Discurso apaixonado e ovacionado na quarta-feira, ordens expressas da diretoria do estabelecimento de ensino em questão para ficar em casa na quinta e na sexta-feira. O que disse a professora Katharine Birbalsingh diante de seus colegas convencionais e que tanto ofendeu seus pares?
A professora apontou para todos os presentes o fato de que os pais dos alunos do educandário onde lecionava, e quase-quase ia dirigir, não tinham a menor ideia de que, na maior parte dos colégios (não especificou se de Londres ou de toda o Reino Unido), o "clima era de caos total".
Criticou principalmente o que ela chamou de "falta de disciplina entre alunos negros" (angloafricano ainda não chegou aqui). Foi mais longe, se tal é possível, e disse que o sistema estava em pleno estado de "ruptura" e que não fazia mais do que manter "pobres as crianças pobres."
Foi uma balbúrdia. Onde já se viu? A professora, antes da ovação, já fizera referência, ao fato de que as escolas e colégios temem perder pupilos se admitirem os problemas existentes no sistema. A St Michael onde leciona (sim, ela foi prontamente reintegrada após a notícia ser dada com destaque pela imprensa) foi chamada por ela de "Alcatraz do mundo da educação." Alcatraz: aquela notória prisão nos Estados Unidos.
Katharine mantinha um blog até sexta feira. To Miss With Love (uma referência a um filme muito conhecido dos anos 70, com o Sydney Poitier, todo passado na Inglaterra). Saiu do ar até segunda ordem devida à reação obtida por suas palavras incandescentes.
Lá estava, e tudo indica que voltará ao ar, a frase terrível, onde ela contava como o colégio pagava por guardas de segurança para revistar as crianças (sim, crianças) antes do início do dia letivo. Acrescentava que, nos últimos seis meses, três crianças foram esfaqueadas no colégio.
No dia em que uma colega fazia a aplicação para o posto que acabou (quase que literalmente) com ela, o de vice-diretora, um bando de alunos a derrubou ao chão num dos corredores do St Michael.
Na sexta-feira, procurada pela imprensa, que voou em cima, Katharine Birbalsingh se confessou diante do dilema de falar ou calar sobre o sistema e fazer o que era o mais correto no caso de "seu" colégio. E foi explícita: o colégio, por ele, moitava. Calava a boca. Não dava um pio.
A professora não moitou e não calou. Deu um baita pio. No que fez muitíssimo bem.
Fonte: IVAN LESSA
COLUNISTA DA BBC BRASIL, EM LONDRES
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