sábado, 2 de outubro de 2010

ECA, 20 anos: avanços e desafios"- Fábio Ribas Jr.

Países com altos índices de pobreza e desigualdade só avançarão na direção do desenvolvimento sustentável (economicamente viável, ambientalmente equilibrado, socialmente justo) se incluírem efetivamente entre suas prioridades a garantia dos direitos e a melhoria da qualidade de vida dos setores mais vulneráveis da população – entre os quais despontam as crianças e adolescentes em situação de risco ou com direitos violados. No Brasil, uma condição fundamental para o avanço nessa direção foi criada em 1988, quando foram introduzidos na Constituição Federal avanços obtidos na ordem internacional em favor da infância e da juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio na sequência, em 1990, detalhando os direitos desse público (que constitui cerca de um terço da população brasileira) à saúde, educação de qualidade, proteção no trabalho, convivência familiar e comunitária saudável, liberdade e dignidade. Desde então o Estatuto vem promovendo a formação de uma nova mentalidade, baseada na visão das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e seres em processo de desenvolvimento, o que tem contribuído para o aprimoramento da atuação de inúmeras instituições e programas de atendimento. Ao longo da última década houve avanços no grau de informação e compreensão da sociedade sobre as violações dos direitos das crianças e adolescentes - trabalho ilegal, violência doméstica, evasão escolar, violência sexual, entre outros - e sobre as causas desses problemas. O aprimoramento das políticas públicas voltadas à promoção de condições para o fortalecimento, inclusão produtiva e autossustentação das famílias mais vulneráveis, vem sendo crescentemente reconhecido como fator crítico para a melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Vem crescendo também a compreensão da sociedade sobre a necessidade de se prover condições para a garantia de direitos desde a tenra idade (atenção à saúde materno-infantil, educação infantil de qualidade) e do valor e impacto positivo de ações como essas para construção de uma sociedade mais equilibrada. Temas polêmicos como o envolvimento de adolescentes em atos infracionais vêm sendo discutidos com maior profundidade, o que abre caminho para progressos na estruturação de programas que ofereçam a esses adolescentes uma forma de atendimento baseada na plena observância dos direitos humanos e capaz de promover sua reintegração saudável na comunidade. No final de 2009 a nova lei de adoção trouxe aprimoramentos para a garantia do direito à convivência familiar previsto no ECA, ao determinar que crianças e adolescentes não podem permanecer mais de dois anos nas instituições de acolhimento e que sua situação seja reavaliada a cada seis meses, evitando assim o risco de uma institucionalização prolongada e prejudicial. Os Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e Fundos da Criança e do Adolescente – instrumentos essenciais para a adequada gestão das políticas do setor – vêm se tornando progressivamente mais conhecidos pelo público em geral. Mais cidadãos e empresas têm procurado apoiar projetos de defesa e promoção dos direitos das crianças e jovens, por meio da participação direita em organizações ou programas de atendimento ou da destinação de recursos financeiros aos Fundos da Criança e do Adolescente.


1 Diretor Executivo da Prattein – Consultoria em Educação e Desenvolvimento Social.

A criação desses mecanismos de gestão (Conselhos e Fundos) foi um avanço trazido pelo Estatuto que abriu a possibilidade de participação mais ampla e efetiva da sociedade na formulação e controle das políticas do setor.

Contudo, todos esses avanços ainda podem ser considerados pequenos em face da magnitude dos problemas a enfrentar.

Ainda falta aos governos um melhor entendimento sobre a necessidade de fortalecimento dos Sistemas de Garantia de Direitos e das redes de atendimento e sobre a obrigação do Poder Executivo de dotar os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares com condições adequadas ao seu pleno funcionamento.

Os governos precisam compreender que os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são instâncias de gestão compartilhada de políticas públicas que em muito podem contribuir para melhorar a qualidade da aplicação dos recursos e a eficácia dos programas de atendimento. No plano do desenvolvimento político da sociedade, esses conselhos podem contribuir para o aprimoramento da democracia porque propiciam a ampliação da participação da sociedade na vida pública.

É preciso que os governos se abram à participação efetiva dos Conselhos de Direitos como órgãos gestores e apóiem sua estruturação e funcionamento. Por seu turno, os conselheiros precisam ser escolhidos com base em critérios de competência, espírito público e representatividade em relação aos interesses do conjunto da sociedade (que devem prevalecer sobre interesses específicos de partidos políticos ou entidades de atendimento). Só assim eles poderão exercer com plenitude os papéis fundamentais que o Estatuto lhes reservou.

Passados 20 anos da promulgação do Estatuto, a maioria dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente ainda conta com poucos recursos para implantar programas de atendimento. Não se pode fazer política social eficaz sem orçamentos consistentes. Os governos devem alocar recursos suficientes nos orçamentos públicos destinados às crianças e adolescentes. A ampliação da divulgação da existência dos Fundos e a mobilização da sociedade para doações e destinações é parte importante desse esforço.

No entanto, o emprego adequado dos recursos depende da existência de diagnósticos qualificados e periodicamente renovados sobre as necessidades a serem atendidas em cada localidade.

Este talvez seja o maior desafio dos próximos anos: a qualificação do processo de diagnóstico, planejamento técnico e orçamentário e monitoramento das políticas de garantia de direitos em cada município. A falta de diagnósticos qualificados faz com que muitos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, Orçamentos e Fundos para o atendimento de crianças e adolescentes ainda apresentem elevado grau de fragilidade e as políticas de proteção, prevenção e promoção de muitos municípios e Estados brasileiros ainda sejam incipientes.

Os Conselhos de Direitos precisam ser estimulados e apoiados em todo o país para que cumpram sua atribuição fundamental de propor programas prioritários de atendimento, fundamentados em diagnósticos precisos e transparentes. Somente assim os governos e a sociedade terão meios para aferir se as violações de direitos estão sendo reduzidas e eliminadas e se os preceitos do ECA estão sendo concretizados.

Este seria então um mote para os próximos 20 anos do ECA: fazer com que a afirmação dos direitos das crianças e adolescentes na consciência ética de um número crescente de cidadãos se desdobre em práticas de gestão pública, ação e participação social que garantam a efetivação desses direitos na vida cotidiana de cada cidade.

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