quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

" Escola não pode ser local de sofrimento"

Protesto realizado em 2009 por alunos da escola Vieira de Moraes, na Cidade Dutra

Fernanda se lembra bem de quando foi à reunião da escola de sua irmã menor. A professora leu aos pais um poema bonito sobre o papel da educação, emocionante mesmo. Mas logo depois passou uma apresentação de slides com todas as regras da escola. Fernanda se viu diante de uma dicotomia: por um lado, o afago; por outro, um amontoado de leis às vezes nem mesmo os professores e diretores cumprem porque não tem sentido.

Como exigir que o aluno tenha a roupa limpa todos os dias se a rua onde fica a escola não é asfaltada? Como querer que ele não corra no pátio, na hora do recreio, se ele mora em um beco onde não tem espaço para nada?

No último sábado, 04 de setembro, o projeto Periferia em Movimento realizou seu quarto debate no CEU Navegantes, Grajaú, zona Sul de São Paulo. O tema foi “Escola, espelho da comunidade”, com a discussão do sistema educacional brasileiro e sua atuação entre aqueles que são uns dos que mais precisam: os moradores da periferia.

Para falar sobre o assunto, foram convidados a professora Maria Luiza Rozatti, ex-moradora do Grajáu que hoje dá aulas de geografia na escola Carióbas, do bairro Monte Verde; e o professor Braz Nogueira, diretor da escola Campos Salles, na comunidade de Heliópolis; além de alunos da rede pública e da plateia, que participou ativamente.


Críticas:

Muitos dos presentes no dia do debate tinham histórias da sala de aula para contar. A estudante Gilse, de 15 anos, disse que a escola não entende – e nem procura entender – sua realidade dos muros para fora. Outro estudante relatou que só tinha orientação na escola porque sua tia é professora. Os demais docentes sequer se importavam com sua situação.


Apesar de quase 100% das crianças com até 15 anos estarem matriculadas, País é 88° colocado em ranking da educação

Já três ex-alunos da escola Vieira de Moraes, na Cidade Dutra, que moram no Grajaú, falaram de uma mobilização contra a diretora da instituição, que fechava o portão dez minutos antes do início da aula (prejudicando quem morava longe e pegava trânsito) e não permitia que estudantes do período noturno que trabalhavam entrassem na segunda aula do dia.


Um estudante, atrasado, teria sido atropelado numa avenida próxima porque corria para entrar a tempo na aula. Com os protestos e a cobrança em cima da diretoria de ensino, a administradora da escola foi substituída no fim de 2009.


Aline Rodrigues, a mediadora do debate, disse que a escola não acolhe os alunos. Maria Luiza conta que não dá para comparar sua época de estudante com o de agora, muito diferente. A realidade é outra. “A escola é espelho da comunidade quando reflete as dificuldades do bairro, como a falta de asfalto, por exemplo”, disse. Hoje, ela não liga para os diários de classe e passa o tempo todo de pé na sala, conversando com os alunos e tentando entender suas dificuldades.


Maria Luiza também criticou o fato de alunos procurarem escolas distantes de casa por conta da “qualidade” que elas apresentam. “A tradição da escola também conta: demora muito criar essa qualidade, mas é uma luta diária de alunos, professores, comunidade”, alertou, defendendo a escola em que leciona, relativamente nova mas que agora está ganhando uma identidade.


Exemplo:


Braz Nogueira: "A revolução que queremos neste País tem que começar pela escola"

Já Braz perguntou aos presentes: “Quantas vezes a escola de vocês chamou seus pais para fazer um elogio?”. Em Heliópolis, onde está desde 1995 porque passou em um concurso e poderia ir a pé até lá, Braz mudou a relação da escola com a comunidade no entorno. O professor, que nasceu na roça e andava 12 quilômetros por dia para estudar, formou um conselho com 50 pais e conseguiu, com lábia, convencer criminosos de que a quadra esportiva era dos alunos.


Há menos de uma década, porém, ele trouxe essas mudanças de forma efetiva para dentro da escola Campos Salles. Com o apoio da comunidade e das coordenadoras pedagógicas, derrubou paredes e transformou 16 salas de aula em quatro salões – cada um abrigando quatro turmas da mesma série. Os alunos passaram a trabalhar em grupo de quatro e, agora, seguem um roteiro quinzenal de aprendizado elaborado pelos professores. A ideia é torná-los independentes à medida que tirem dúvidas uns com os outros.



Heliópolis, comunidade que se transforma em 'bairro educador'

Quando não sabem, o professor tenta esclarecer. Mas nem sempre o professor é o titular da matéria dada naquele dia. Daí, ele também tem que sair da zona de conforto e buscar a resposta. “Os alunos é que são os professores, eles também orientam outros grupos, tiram dúvidas e estudam juntos”, disse.


Tudo foi feito sem o conhecimento prévio da diretora de ensino regional, que ficou surpresa quando soube mas nada podia fazer porque a comunidade aprovava a ideia. Hoje, a Campos Salles é exemplo para as demais escolas da cidade. Braz apontou que o modelo de ensino vigente precisa mudar – e é responsabilidade de todos lutar por isso. “A gente vê a escola como um local de sofrimento, e escola não pode ser um local de sofrimento”.


Em tempo: o debate terminou com a apresentação do grupo de rap “Ponto C” e os “Meninos do Break” do Ceu Navegantes. Brindes foram sorteados após o evento e os participantes puderam trocar ideias num lanche feito no local, mesmo.


Próximo debate: no quinto evento, vamos levar os “Ícones do Grajaú” - gente que conseguiu levar e defender o nome da nossa região a outros locais e continuam fazendo alguma coisa pelo bairro. Será no dia 16 de outubro, às 15hs, no CEU Navegantes. Compareça!

 
Fonte: Hub SP que trabalha com educação democrática 

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