quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Revista LUZ :: Ter ou não ter, eis a questão

Na sociedade em que vivemos - pós-moderna, tecnológica, cheia de opções e novidades - dá para imaginar viver sem consumir nada além do estritamente essencial? Essa é a proposta de muitos grupos anti-consumismo espalhados pelo mundo, em resposta ao crescimento da onda de consumo desenfreado que pauta o estilo de vida de muitas pessoas. Até mesmo novos termos, como compacters e freegans, foram cunhados para referenciar os adeptos desse princípio de viver simples. Com base nele, a jornalista norte-americana Judith Levine enfrentou o desafio de consumir apenas o necessário durante um ano, e relatou sua experiência no livro Not buying it: my year without shopping (editora Free Press, 2006), ainda não traduzido para o português. Mesmo assim, na sua definição do que seja essencial, necessário, e não apenas desejado, foram incluídos internet, vinho, insulina para seu gato diabético e gasolina.

Mas o que motiva os atos de comprar? Diferentemente dos outros animais, o ser humano consome por impulsos que ultrapassam as necessidades físicas e os instintos naturais, consome por desejo e necessidade, como bem lembra a canção Comida, dos Titãs, cujo verso mais presente é “a gente não quer só comida”.

E, com os avanços da tecnologia, em poucos anos, a vida de um número crescente de pessoas passou não apenas a contar com uma série de bens e serviços novos, mas também a depender deles. Para constatar isso, basta uma reflexão sobre quanto tempo é possível alguém passar sem checar seu correio eletrônico, e sem que isso lhe cause incômodo.

É claro que há muitos lugares no mundo onde a vida mudou pouco em relação ao passado, onde os processos de trabalho e comunicação ainda não ganharam a celeridade e a magnitude que se veem nas megalópoles e grandes cidades, mas nas sociedades ocidentais a mudança é evidente e alvo de muitos questionamentos. Existe um estilo de vida contemporâneo? Ter mais escolhas à disposição é sempre melhor? E como vivem os grupos que não têm meios para realizar essas escolhas? As tecnologias tendem a isolar, a segregar ou a integrar as pessoas? Os valores que guiam o consumo na sociedade contemporânea mudaram?

Bem-me-quer, mal-me-quer

Para o psicólogo Barry Schwartz, professor de teoria social da Faculdade Swarthmore (Pensilvânia, EUA), a sociedade contemporânea se caracteriza pela multiplicidade de atividades simultâneas e de opções de consumo. Autor do livro O paradoxo da escolha (editora A Girafa, edição em português de 2007), Schwartz chama a atenção para o enorme crescimento dos tipos, modelos e marcas dos produtos que consumimos. São tantas opções que a sensação do consumidor nem sempre é a de satisfação pela liberdade de escolha diante das possibilidades existentes. A dúvida pode tornar penoso o ato da compra, e, uma vez feita a escolha frente a uma variedade tão extensa de outras alternativas preteridas, o arrependimento e frustração ganham espaço.

Os economistas diriam que o que se vê é um aumento do chamado “custo de oportunidade”, isto é, o custo que representa renunciar às outras opções disponíveis, ou, alternativamente, os potenciais benefícios que essas opções oferecem, mas não são aproveitados, uma vez que a escolha feita foi outra. Mais variedade representa, portanto, mais benefícios não aproveitados de escolhas não feitas. Por isso, Schwartz defende que quanto mais opções a se considerar, menor a satisfação da escolha, mesmo quando ela é sensacional. “Evidentemente, é melhor sofrer por ter muitas opções a escolher do que sofrer por não poder fazer escolhas, como ocorre com as pessoas de baixa renda, que não têm acesso a toda a amplitude dos mercados”, diz Schwartz. A sociedade atual, que muitos dizem ser a sociedade do consumo, ainda conserva um grande número de excluídos do consumo, em virtude da má distribuição de renda.

Fonte: http://luz.cpflcultura.com.br/9#


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