sábado, 18 de julho de 2009

Carta ao Avô


Abri um espaço de debate em um site de rede social que participo. Coloquei em debate um belo texto do livro de Marianne Franke. Ando extremamente entusiasmada com o seu pensamento a respeito de relações humanas sejam elas no espaço escolar ou não.

Se existe algo de diferente em sua proposta, talvez seja o seu encantamento pela vida e de como ela resolve de uma forma transparente os conflitos existenciais de um determinado grupo.

Enquanto ficamos engessados em descobrir o porquê de nossos problemas se tornarem tão grandes diante dos fatos, ela nos leva a percorrer o caminho da aventura, onde a investigação não passa pela dúvida e nem pelo julgamento cartesiano, mas pela intuição, pelo sonho, pelas impressões subjetivas que temos daquela vivência, nos fazendo recorrer pelo mistério da memória, àquelas gavetas que insistem em ficar trancadas.

Reconheço nela o papel de terapeuta, de quem cuida e ajuda o outro a se cuidar. Normas e princípios garantem a equidade dos fatos. Trazem a luz do dia, os menores pontos que se escondem na sombra. O que estava internalizado torna-se luz diante do que parecia ser nefasto e obscuro.

Quando se é criança as janelas são abertas com freqüência. Debruçamos-nos nela com facilidade. Enfrentamos as tempestades, não temos medo de trovões e quase sempre brincamos na chuva. Sabemos ser crianças, mesmo enfrentando o mundo dos adultos. Só não sabemos é identificar em qual das gavetas arrumamos cada sentimento. Afinal, somos muitos e nos guardamos em muitas gavetas, que nem sempre possuem uma ordem lógica para serem arrumadas. Daí a necessidade de recorrer da ajuda dos mais velhos. Eles sempre sabem onde elas estão...

Ouvia muito esta afirmativa quando era criança. Quando quiser saber a sua história de vida procure os mais velhos de sua família. Acredito que era verdade essa afirmativa. Se você pensar bem, verá que os mais velhos da família possuem os retratos que ninguém mais possui. Saberá de "verdades" que você nunca pensou que aquela família possuía. Enfim, as suas gavetas valem muito mais do que muitos jovens juntos.

Se existe algo que você necessite para sua pesquisa recorra a eles. Pois se tem algo que eles nunca esquecem são as memórias do passado.

Eu uma vez necessitei recorrer a uma pesquisa dessas. Encontrei em minha cabeceira um monte de dados que não se encaixavam nada com nada. De repente, vejo um olhar se voltar para mim, com certa displicência, que me surpreendeu com os novos recursos de aprendizagem que estavam por vir.

Recorri a sua fala. Percebi um tom apaixonado e muito lúcido. Colocou para mim como a violência e seus atos simbólicos existem, como o jogo que ainda estava por ser jogado. E falou-me: Não dê crédito a uma pessoa que não reverencie os seus ancestrais. Olha em seus olhos e reverencie àqueles que falem bem de seus antepassados. Perdoe sempre as suas falhas, assim você estará se perdoando.

Aquela imagem corporal que eu tinha desse avô se desfez. Aquele que me parecia fraco, de repente era um gigante em minha frente!

Esta atitude fez toda diferença em nossas relações por aqui em diante. Passei a ouvir as suas histórias com mais afinco e respeito. Os meus pensamentos passaram a ser dele naquele momento. Vi-me curvando, agradecida por sua paixão a vida.

Até hoje somos grandes amigos. Hoje eu o reverencio mais do que ontem e sempre me pergunto se o mesmo acontecerá comigo.

Se existe uma solução possível para os impasses da vida de um homem, que seja a gentileza, a pureza e que os sentimentos sejam de alívio. E que a alegria faça parte do ato de curvar-se diante de tanta sabedoria.

As emoções de dias como esses se tornaram mais fortes durante as estações do ano e passaram a ser vividas dia após dia, como o sabor de um chocolate quente, o perfume das frutas de época, a chuva de verão e as noites enluaradas. Assim foi o sonho de criança...

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